Rua
Retiro, Bairro Tatuapé – SP. Sexta-feira, 19 de setembro de 2014, 16:20h.
Entro
no táxi, aos prantos.
O
taxista, um senhor moreno, de barba- deve ter sido um moço muito bonito - me
diz:
Que
horas é o seu voo, Dona Larissa?
Digo:
__
Às 19:40h. Mas é sexta-feira. E essa garoa, essa chuva que começa... Achei
melhor não arriscar e preferi ir mais cedo para o aeroporto.
E
ele:
__
Fez bem, fez bem!
Mas
eu não sou Larissa, sou Neusa. A Larissa é quem chamou o táxi. É minha filha,
que estou deixando!
__ E
eu chamando a senhora de Larissa! É Neusa, né?
E me
surpreende:
__
Olha, a senhora pode chorar, viu. Vá chorando tranquila. Nós vamos devagar,
vamos no contra fluxo. Vamos chegar bem.
Pode chorar em paz, sossegada.
E
eu, como boa chorona, chorei.
A
viagem não foi tão rápida assim como ele previu. Pegamos engarrafamento,
trânsito pesado, pelo menos em dois trechos. Cheguei em Congonhas já eram
18:20h. Em São Paulo, é assim: melhor não arriscar.
No
caminho, o taxista silenciou por um tempo. Os sons que ouvíamos eram das
chamadas da empresa, era ele informando que tinha pego a corrida do Tatuapé,
eram outras conversas de outros taxistas etc.
Depois,
começou a falar:
__
Eu entendo a senhora. Tá ferida, né?
Confirmei com a cabeça e chorei mais.
__ Também
estou ferido. Perdi minha mulher fez um ano agora. Íamos comemorar trinta anos
de casados. Não deu tempo.
Ela
teve uns miomas, a senhora sabe. Fez quimioterapia. Ficou boa. Cursou outra
faculdade. Era estudiosa.
Mas
um dia, começou com uma tosse, tomou xarope. Não passava. Era a doença. De
volta.
E eu
ouvindo, e chorando, já sem saber mais se chorava por mim, pela Lalá, por ele
ou por todas as dores do mundo.
E
ele continuou:
A
senhora sabe que não dormi mais na minha cama. Não consegui. Falei pro meu
filho, que é casado:
__
Vocês ocupem o quarto. Troquem a cama e fiquem aí. Fui prum quartinho que tenho
lá nos fundos. É pequenininho, mas me cabe.
Contou
dos netinhos: dois – um filho do filho e uma filha da filha. Contei da minha
netinha também. Falei da imensa saudade.
Nos
engarrafamentos, ele pegava o celular e me dava pra eu ver fotos e vídeos. Vi a
netinha, toda encapuzada, parecendo a Chapeuzinho Vermelho, tentando dar
passinhos apoiada no sofá. Vi o netinho, os filhos, a mulher tão amada.
E
ele continuou:
__
Meu namoro foi difícil. Meu sogro disse que não ia entrar negro na família.
Tentou
me matar. Foi preso. Na delegacia, ele, o delegado e eu, mas não houve
conversa. Repetiu que não queria negro na família. Continuou preso.
Naquele tempo, não tinha essas leis de agora. Quando foi solto, vieram me avisar que tivesse cuidado. Eu andava atento o tempo todo. Tinha medo.
Naquele tempo, não tinha essas leis de agora. Quando foi solto, vieram me avisar que tivesse cuidado. Eu andava atento o tempo todo. Tinha medo.
Mas
não teve jeito. Era amor.
Quando
ela completou 18 anos, casaram-se. O velho mandou que sumissem.
Mas
vieram os netos. A menina, com a cor do avô. O menino, com a cor da avó. E o
velho foi se chegando.
Falava sem mágoa. É passado. Na voz, a
sabedoria que o tempo nos dá.
E
repetiu, inúmeras vezes. Entre uma frase e outra:
__
Ainda estou ferido.
Eu
também. Ainda estou ferida. Mas diante de uma perda como a dele, preciso
relativizar minha dor. Vou rever minha loirinha em breve. E ele?