quarta-feira, 17 de maio de 2017

Sapatilha Vermelha

     Vivi uma cena recentemente que me fez me lembrar dos meus filhos na entrada da  adolescência: aquela fase da vida em que não são mais crianças, mas também ainda não são adultos.
     Lembro-me especialmente da minha filha me pedindo presente no dia das crianças, e eu lhe dizendo que ela não era mais criança. Querendo sair à noite e ouvindo como resposta que não tinha idade suficiente para tal, ou seja, que ainda era criança. Ou quando eu solicitava ajuda em alguma tarefa doméstica e ela retrucava dizendo que ainda era criança, para escapar. Mas já queria roupas da moda. E usava batom.
     Há alguns anos, ganhei da própria, no dia das mães, uma sapatilha Via Uno vermelha. Linda. Clássica.
     Sabe aqueles sapatos que a gente usa todo o tempo, em, praticamente, todas as ocasiões e lamenta seu desgaste, inclusive adiando o fim da sua vida útil?  Pois é. Foi o caso.
     Quando é com relação a roupas, costumamos usar a expressão "bate-cuara". Do varal pro corpo e do corpo pro varal.
     Passaram - se alguns anos e eu já vinha sentindo uma vontade de reeditar minha parceria com a sapatilha vermelha. Até procurava ver se vislumbrava uma nas vitrinas das lojas, mas até então, não tinha, de fato, tentado efetivar a compra.
     Assim, buscando realizar meu desejo, na semana passada, fui a uma loja no Shopping.       Disse à vendedora:
__ Olha, eu quero uma sapatilha vermelha, sem detalhes, clássica, com um saltinho baixo.     Pode ser da Usaflex ou Ramarim Confort. Também pode ser Beira Rio, Picadilly, ou qualquer outra marca que tenha linha conforto.  Hoje em dia muitas têm, né?
     Na medida em que eu falava, a moça ia movendo a cabeça de um lado para o outro e, antes que ela abrisse a boca, já tinha me informado, com seu gestual, que o que eu queria ela não tinha na loja.
     Mesmo assim, me informou com palavras, em seguida, para que não restassem dúvidas:
__ Olha,  o que a senhora quer nós não temos.  Mesmo assim,  vou lá em cima  (no depósito) e trago tudo o que eu achar.
     Aproveitei a espera para andar pela loja. No setor do conforto até achei uma sapatilha vermelha,  mas com uma imensa fivela dourada na parte da frente e com um laço tão vermelho quanto a própria. Cafona. Quero conforto,  mas também beleza.
     Passados alguns minutos eu a vejo descer a escada com apenas duas caixas na mão.     Vocês bem sabem que, nessa situação, o vendedor vem com tantas caixas que parece um equilibrista com o rosto escondido atrás da pilha.
     E me mostrou duas sapatilhas que em nada atendiam as minhas especificações.
     E disse:
__ Olha, o que a senhora quer não existe. Geralmente as marcas que fazem a linha conforto, fazem bege, cinza ou preta. Quase que eu a interrompi pra acrescentar: E com fivelas horrorosas! Mas me calei e continuei ouvindo: A senhora quer vermelha!?!? E fez um gesto elevando os braços e as sobrancelhas como quem diz: A senhora é ponto fora da curva! Quer conforto, mas quer também elegância, beleza e em vermelho,  cor da alegria,  da paixão e da juventude???
     Só aí me dei conta daquilo que, para a vendedora, soou como contraditório.
   Em outras palavras, estou na interface,  no entremeio,  na terceira margem, no meio da ponte que separa a idade madura, digamos assim, da velhice. Sem definição, tal como as minhas crianças na entrada da adolescência. Não sou mais nova, é verdade, mas não sinto que sou velha! Diria a vendedora: Ou a senhora trata de se resignar à passagem do tempo e vai na beginha ou banca um sapato vermelho, com salto mais alto e com dor nas pernas!     Conforto zero!
     O que eu quero não existe. O mercado não se deu conta da mulher que sou. E deve haver muitas como eu. Que ainda querem o vermelho das sobrancelhas levantadas da vendedora, mas que também jà querem e já precisam de conforto - as pernas agradecem.
     A,i meu Deus!  Saí de lá dando umas risadinhas. Sou uma contradição.
     Mas vou continuar atrás da clássica, elegante e confortável sapatilha vermelha.
   Olho o passado e vejo que foi sempre assim:  eu na contramão, eu contrariando as previsões, eu querendo ir mais além do que estava posto pra mim.
     Está tudo bem. Está tudo certo.

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