quarta-feira, 4 de julho de 2018

A vida alheia

     Observar o humano na sua diversidade e complexidade. Um hábito. Ponto de ônibus,  ônibus, sala de espera de consultório e de cabeleireiro,  feiras, filas  em geral, seja no banco ou no caixa do supermercado, sala de embarque: ótimos lugares.
     E quando, no ônibus, chega a hora de descer e a história não acabou? Jesus! A gente sai imaginando mil desfechos possíveis, prováveis.
     Não se trata de ser bisbilhoteira! Não é isso. É interesse pelo ser humano, pelas histórias de vida, tão iguais e, ao mesmo tempo, tão únicas e irrepetíveis. Parece até contraditório, mas não é.
     Também contribui para essa habilidade o fato de eu ser mulher. Se um homem e uma mulher vão a uma festa, por exemplo,  na volta,  ao conversarem sobre o evento, a mulher sempre viu mais que o homem e registrou mais acontecimentos. É batata!
     Basta apurar os ouvidos, estabelecer relações entre o que se fala e o gestual corpóreo.
Já me aconteceu de, na volta de um evento, comentar com o meu marido:
__ Você viu que o fulano não estava à vontade? Você observou a discussão entre A e B?      Você percebeu que C nem foi?
     Não. Ele não viu nada!
     Chega um momento em que sabemos mais sobre aquelas pessoas, além do que é dito pela voz e pelo corpo.
     Já tive,  muitas vezes, vontade de interferir, intervir, propor soluções.  Mas me contive, é claro.
     Talvez seja por isso que é sempre muito fácil resolver os problemas dos outros: porque de fora, sem estarmos contaminados pelas emoções,  vemos com mais clareza e objetividade.
Já os nossos problemas,  por mais simples que pareçam ser, que dificuldade!
     Daí que um afastamento é sempre bom para encontrarmos as soluções para os nossos dilemas.
     De longe, é como se peneirássemos nossa vida e a víssemos dividida em duas partes:  o que fica na peneira e tudo o que penetra por seus espaços e passa. Aí resta ponderar e avaliar o que ficou e o que a atravessou.
     Muitas vezes, até peneiramos bem, e nem precisamos do afastamento para isso.
     Erramos na hora de avaliar. E descartamos o que tem valor e mantemos o que seria descartável.
     Há erros passíveis de correção. Acontece com tudo que é menos importante.
Mas, naquilo que é fundamental,  geralmente nossos erros são homéricos,  sem conserto.
     Como saber? Como distinguir o que é acerto daquilo que é erro?
     O tempo.
     Só o tempo.
     Somos capazes de tal percepção apenas de olho no retrovisor, só quando o que se avalia é passado.
     Então, dizemos:
     Ah! Se eu tivesse feito essa escolha!
     Ah! Se eu não tivesse feito essa escolha!
     Ah! Se eu não tivesse falado!
     Ah! Se eu não tivesse calado!
     Ah! Se...
     E a lista dos Ah! Se... não tem fim.
     Como não é possível voltar pra fazer um novo começo,  resta-nos outras escolhas, outras palavras, outros silenciamentos, outros caminhos.
     Pra fazer um novo fim.
     É,  envelhecer é poderoso.
     É ao envelhecer que ganhamos esses outros olhos que veem mais e melhor.
     É ao envelhecer que vemos a nossa vida com a percepção das sutilezas que víamos na vida dos outros.
     Aqueles que observávamos no ponto do ônibus, dentro do ônibus, na sala de espera...
     É ao envelhecer que vemos a vida com olhos de ver!

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