Observar o humano na sua diversidade e complexidade. Um hábito. Ponto de ônibus, ônibus, sala de espera de consultório e de cabeleireiro, feiras, filas em geral, seja no banco ou no caixa do supermercado, sala de embarque: ótimos lugares.
E quando, no ônibus, chega a hora de descer e a história não acabou? Jesus! A gente sai imaginando mil desfechos possíveis, prováveis.
Não se trata de ser bisbilhoteira! Não é isso. É interesse pelo ser humano, pelas histórias de vida, tão iguais e, ao mesmo tempo, tão únicas e irrepetíveis. Parece até contraditório, mas não é.
Também contribui para essa habilidade o fato de eu ser mulher. Se um homem e uma mulher vão a uma festa, por exemplo, na volta, ao conversarem sobre o evento, a mulher sempre viu mais que o homem e registrou mais acontecimentos. É batata!
Basta apurar os ouvidos, estabelecer relações entre o que se fala e o gestual corpóreo.
Já me aconteceu de, na volta de um evento, comentar com o meu marido:
__ Você viu que o fulano não estava à vontade? Você observou a discussão entre A e B? Você percebeu que C nem foi?
Não. Ele não viu nada!
Chega um momento em que sabemos mais sobre aquelas pessoas, além do que é dito pela voz e pelo corpo.
Já tive, muitas vezes, vontade de interferir, intervir, propor soluções. Mas me contive, é claro.
Talvez seja por isso que é sempre muito fácil resolver os problemas dos outros: porque de fora, sem estarmos contaminados pelas emoções, vemos com mais clareza e objetividade.
Já os nossos problemas, por mais simples que pareçam ser, que dificuldade!
Daí que um afastamento é sempre bom para encontrarmos as soluções para os nossos dilemas.
De longe, é como se peneirássemos nossa vida e a víssemos dividida em duas partes: o que fica na peneira e tudo o que penetra por seus espaços e passa. Aí resta ponderar e avaliar o que ficou e o que a atravessou.
Muitas vezes, até peneiramos bem, e nem precisamos do afastamento para isso.
Erramos na hora de avaliar. E descartamos o que tem valor e mantemos o que seria descartável.
Há erros passíveis de correção. Acontece com tudo que é menos importante.
Mas, naquilo que é fundamental, geralmente nossos erros são homéricos, sem conserto.
Como saber? Como distinguir o que é acerto daquilo que é erro?
O tempo.
Só o tempo.
Somos capazes de tal percepção apenas de olho no retrovisor, só quando o que se avalia é passado.
Então, dizemos:
Ah! Se eu tivesse feito essa escolha!
Ah! Se eu não tivesse feito essa escolha!
Ah! Se eu não tivesse falado!
Ah! Se eu não tivesse calado!
Ah! Se...
E a lista dos Ah! Se... não tem fim.
Como não é possível voltar pra fazer um novo começo, resta-nos outras escolhas, outras palavras, outros silenciamentos, outros caminhos.
Pra fazer um novo fim.
É, envelhecer é poderoso.
É ao envelhecer que ganhamos esses outros olhos que veem mais e melhor.
É ao envelhecer que vemos a nossa vida com a percepção das sutilezas que víamos na vida dos outros.
Aqueles que observávamos no ponto do ônibus, dentro do ônibus, na sala de espera...
É ao envelhecer que vemos a vida com olhos de ver!
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