Tudo o que vivemos pela
primeira vez é, de algum modo, especial. Pelo bem ou pelo mal, a primeira vez
nos marca. As relações que vamos estabelecer, depois, podem estar completamente
modificadas ou sofrer interferências das lembranças que ficaram do primeiro
momento.
Meu pai nos contava as
emoções da sua primeira alpercata, que ele chamava précata. Dizia que tinha experimentado algo para proteger os pés
somente quando já estava com dezessete anos. Nós ríamos muito quando ele falava
da primeira noite com elas, pois, não tendo coragem de tirá-las dos pés, tal
era o encantamento, dormira calçado.
Há algumas primeiras vezes
contadas com um certo glamour, com
poesia.
A que passo a contar agora,
talvez até tenha tido um certo charme, diferente, porém, de tudo o que o leitor
possa imaginar.
Minha irmã mais velha, que
foi nosso arrimo durante muito tempo, trabalhou, como empregada doméstica, em
algumas casas de família.
Essa expressão casa de família é esquisita, na medida
em que é tão comum haver casas cujos habitantes podem ser chamados de qualquer
outro substantivo coletivo, menos família, como, por exemplo, a primeira casa
na qual ela trabalhou.
Para termos uma idéia, a
dona da casa chegou até a lhe dar comida no mesmo vasilhame no qual serviam a
comida do cachorro.
Bem, mas o caso não é esse.
Numa outra casa (e essa fazia podia se chamada assim), minha era tratada como
gente que era. Freqüentemente, ganhava roupas usadas que, para nós, as usuárias
em potencial, nos pareciam novíssimas e lindas.
Quando aconteceu, eu já
estava com seis anos de idade.
Numa das trocas costumeiras
de escovas de dente da família, minha irmã guardou as descartadas e trouxe as
para casa.
Nem preciso dizer o que
significou para mim, escovar os dentes pela primeira vez, aos seis anos de
idade.
Padeci, de dentista em
dentista, ao longo da vida, para consertar os estragos causados pelo tardio
desse encontro.
Poderia, porém, ter sido
pior, sem as benditas escovas.
Fico feliz, hoje, ao ver
meus filhos com sorrisos saudáveis; principalmente, com o sorriso do Lucas,
muito parecido com o meu, quando ainda tinha grandes e lindos dentões, bem
branquinhos, sem os buracos escuros das privações.
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