segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A minha primeira vez


Tudo o que vivemos pela primeira vez é, de algum modo, especial. Pelo bem ou pelo mal, a primeira vez nos marca. As relações que vamos estabelecer, depois, podem estar completamente modificadas ou sofrer interferências das lembranças que ficaram do primeiro momento.
Meu pai nos contava as emoções da sua primeira alpercata, que ele chamava précata. Dizia que tinha experimentado algo para proteger os pés somente quando já estava com dezessete anos. Nós ríamos muito quando ele falava da primeira noite com elas, pois, não tendo coragem de tirá-las dos pés, tal era o encantamento, dormira calçado.
Há algumas primeiras vezes contadas com um certo glamour, com poesia.
A que passo a contar agora, talvez até tenha tido um certo charme, diferente, porém, de tudo o que o leitor possa imaginar.
Minha irmã mais velha, que foi nosso arrimo durante muito tempo, trabalhou, como empregada doméstica, em algumas casas de família.
Essa expressão casa de família é esquisita, na medida em que é tão comum haver casas cujos habitantes podem ser chamados de qualquer outro substantivo coletivo, menos família, como, por exemplo, a primeira casa na qual ela trabalhou.
Para termos uma idéia, a dona da casa chegou até a lhe dar comida no mesmo vasilhame no qual serviam a comida do cachorro.
Bem, mas o caso não é esse. Numa outra casa (e essa fazia podia se chamada assim), minha era tratada como gente que era. Freqüentemente, ganhava roupas usadas que, para nós, as usuárias em potencial, nos pareciam novíssimas e lindas.
Quando aconteceu, eu já estava com seis anos de idade.
Numa das trocas costumeiras de escovas de dente da família, minha irmã guardou as descartadas e trouxe as para casa.
Nem preciso dizer o que significou para mim, escovar os dentes pela primeira vez, aos seis anos de idade.
Padeci, de dentista em dentista, ao longo da vida, para consertar os estragos causados pelo tardio desse encontro.
Poderia, porém, ter sido pior, sem as benditas escovas.
Fico feliz, hoje, ao ver meus filhos com sorrisos saudáveis; principalmente, com o sorriso do Lucas, muito parecido com o meu, quando ainda tinha grandes e lindos dentões, bem branquinhos, sem os buracos escuros das privações.


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