Outro dia, conversávamos
sobre as artes que as crianças fazem. No grupo de pais já escolados e de outros
em potencial, alguns diziam que criança adora fazer o que é proibido. Será que
isso os diferencia dos adultos? Penso que não. A diferença é que os pequeninos
fazem por desconhecimento de regras e os adultos como transgressão.
A conversa ia boa, gostosa,
até que alguém comentou o gosto dos anjinhos em pisar, descalços, na terra
quente.
Aquela fala me deu uma
tristeza enorme. Melancólica, disse que só há prazer quanto pisam por opção.
Sei do que estou falando.
Durante algum tempo, encarei essa de terra quente.
Havia um único par de
chinelos para mim e para a minha irmã. Por coincidência, nós estudávamos em
horários alternados. Eu ia pela manhã. Nos encontrávamos no meio do caminho,
ela descalça e eu com as sandálias. Trocávamos. Ela seguia para a escola
calçada e eu voltava com os pés desprotegidos.
Eu morria de vergonha de ir
descalça. Além da vergonha, havia o sol das duas horas da tarde deixando a
terra em brasa no verão do interior de São Paulo. Os pés reclamavam. Acho que
os dela também. Mas não falávamos sobre o assunto.
Era um período duro. Se as
tiras quebravam, nós as consertávamos com grampo de cabelo. Não havia outra
saída.
Lembro-me de um dia
horroroso. Brigamos. Por qualquer desses motivos que fazem os irmãos brigarem
feito gato e cachorro, se prometerem ódios eternos e, logo depois, esquecidos,
voltarem a ser como antes.
No nosso caso foi
diferente.
Não pude superar a mágoa
imediatamente. Superei- a pouco tempo depois, mas não no mesmo dia.
Chegou a hora da troca e
eu, má, segui calçada para casa. Acho que mesmo que eu doasse todas as
sandálias do mundo aos que andam descalços, nem assim, esqueceria aquele dia.
Minha irmã era forte. Ainda
é. Não foram o pé no chão nem todo o sofrimento que veio depois capazes de
derrubá-la. Mas a mim, aquele dia sempre soou como um dia dolorido.
A mágoa é horrorosa. Nos
enevoa o olhar. O coração não enxerga mais, não distingue o que é bobagem
daquilo que é imperdoável mesmo.
Tenho tentado seguir duas
normas, na minha vida: só fazer aquilo que eu posso contar aos outros e só me
preocupar e sofrer com um fato se eu me perguntar se depois de um ano passado
ele ainda terá importância e a resposta for positiva.
O episódio do chinelo me
envergonha. Conto-o porque já sou capaz de me perdoar hoje. Mas ele não deixa de ser triste. Muito
triste.
Tia querida, eu já havia lido esse texto no livro e me emocionado muito. Li novamente e estou aqui em prantos. Deus é maravilhoso né? Hoje vc pode ter vários pares de sapatos. Vc tem um coração de ouro. Tenho certeza que sua irmã se orgulha muito de vc, assim como todos nós.
ResponderExcluirTô curtindo muito o blog!
Beijo carinhoso. Fran.