quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Mãe di-vi-di-da


O pesquisador jamaicano, naturalizado canadense, Stuart Hall, defende que somos seres descentrados, cujas identidades, em função da modernidade, encontram-se deslocadas, fragmentadas e que, muitas vezes, são contraditórias entre si. Se já somos duo-hifenados, sujeitos culturais híbridos, como também nos conta Homi Bhabha, atravessados por múltiplos lugares sociais e papéis, na função materna, esse deslocamento se arraiga ainda mais; a maternidade o potencializa ao máximo.
A maternidade nos torna seres divididos. Não seremos jamais um ser uno, após termos gerado filhos.
Fui tendo clareza dessa divisão na medida em que fui gerando os meus filhos. Com o Thiago, me vi partida em duas. Com a Larissa, havia três partes de mim circulando pela vida, sempre buscando se encontrar. O Lucas, definitivamente, me fez experienciar a existência dividida em quatro partes.
Quando pequenos, dormindo no quarto ao lado, sempre ao nosso lado, a ilusão de que sentir-me despedaçada era apenas uma sensação sobrevive bravamente. Mas, na medida em que eles vão para o mundo, o sentimento de incompletude nos toma por inteiro.
Aprendi que ser uma mãe boa é deixar ir, é criar para o mundo, é possibilitar voos altos e distantes. Acreditei nessa “roubada” e preparei os meus para alçarem grandes voos.  Muitas vezes, me arrependi de ter sido uma mãe tão boa aluna e me perguntei se não seria melhor tê-los, todos, amarrados ao pé da mesa, protegidos.
Isso se tornou mais claro para mim, outro dia, quando me vi respondendo a uma pesquisa sobre o que é paz da seguinte forma.
“Paz para mim, a sensação de paz plena é a que eu vivencio, já há algum tempo, especialmente à noite, mais nos finais de semana, quando meus filhos vão a festas, a aniversários, a shows, enfim, vão encontrar a galera, como eles falavam até bem recentemente.
Já de madrugada, naquele sono de vigília, ouço um carro que para em frente de casa e o portão se abre e um deles entra: é o caçula; depois, um carro que estaciona, ouço a porta se abrindo de um jeito único e eu sei que é o mais velho voltando; por fim, outro carro estaciona fazendo o barulho conhecido das manobras para caber na sua vaga; outra vez, o som da chave na fechadura, uma porta que se fecha e a luz da varanda é apagada: minha filha que chega. 
São minhas partes, de volta. Meus filhos que sobreviveram outra noite na “night”.”
Nessa fase em que vivo agora, a qual muitos nomeiam de “ninho vazio”, o mais velho se casou, mas ainda mora na mesma cidade, bem perto e eu o vejo, ainda, voltar, mesmo que provisoriamente. O caçula, na faculdade e iniciando no mercado de trabalho, está pouco tempo em casa, na maior parte no quarto, com os aparatos tecnológicos que o conectam ao mundo – e o desconectam de mim.
E a do meio, está fora do país, fazendo um intercâmbio que eu apoiei, incentivei e possibilitei. E há arrependimentos para os três verbos, de sobra.
 Então, sinto-me, muito mais fortemente, di-vi-di-da.
O fato de ela estar mais distante, em outro país, me torna uma mãe frágil, insegura, medrosa, pois sei que, se ela precisar desta “supermãe salvadora de todos os perigos do mundo” - porque é assim que nós, mães, nos sentimos, a despeito e termos provas incontestes, todos os dias, da nossa fraqueza e da nossa falibilidade - eu sei que não poderei ir correndo até ela.
Mas, como nada dura para sempre, minha loirinha está de volta. Daqui a exatos sete dias, eu a abraçarei no desembarque do aeroporto Jorge Teixeira e vivenciarei, mesmo que por pouco tempo, a plenitude da minha inteireza, com meus três filhos respirando, como eu, mesmo ar de Rondônia, de Porto Velho.
Recarregarei as baterias para, logo, logo, me ver cortada em pedaços, outra vez.
Outras vezes.
E a próxima vez já se anuncia: é que serei avó, serei “mãe duas vezes”; então, já preparo o corpo e a alma para novos cortes, para novas divisões. E me multiplico, como multiplica, também, meu amor por estes que serão, no futuro, as testemunhas da minha passagem pelo mundo. Neles, nos quais sei que permanecerei viva, sempre.
Assim, espero a Letícia e.... quem mais chegar!

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