O
pesquisador jamaicano, naturalizado canadense, Stuart Hall, defende que somos
seres descentrados, cujas identidades, em função da modernidade, encontram-se
deslocadas, fragmentadas e que, muitas vezes, são contraditórias entre si. Se
já somos duo-hifenados, sujeitos culturais híbridos, como também nos conta Homi
Bhabha, atravessados por múltiplos lugares sociais e papéis, na função materna,
esse deslocamento se arraiga ainda mais; a maternidade o potencializa ao
máximo.
A
maternidade nos torna seres divididos. Não seremos jamais um ser uno, após
termos gerado filhos.
Fui
tendo clareza dessa divisão na medida em que fui gerando os meus filhos. Com o
Thiago, me vi partida em duas. Com a Larissa, havia três partes de mim
circulando pela vida, sempre buscando se encontrar. O Lucas, definitivamente,
me fez experienciar a existência dividida em quatro partes.
Quando
pequenos, dormindo no quarto ao lado, sempre ao nosso lado, a ilusão de que
sentir-me despedaçada era apenas uma sensação sobrevive bravamente. Mas, na
medida em que eles vão para o mundo, o sentimento de incompletude nos toma por
inteiro.
Aprendi
que ser uma mãe boa é deixar ir, é criar para o mundo, é possibilitar voos
altos e distantes. Acreditei nessa “roubada” e preparei os meus para alçarem
grandes voos. Muitas vezes, me arrependi
de ter sido uma mãe tão boa aluna e me perguntei se não seria melhor tê-los,
todos, amarrados ao pé da mesa, protegidos.
Isso
se tornou mais claro para mim, outro dia, quando me vi respondendo a uma
pesquisa sobre o que é paz da seguinte forma.
“Paz
para mim, a sensação de paz plena é a que eu vivencio, já há algum tempo, especialmente
à noite, mais nos finais de semana, quando meus filhos vão a festas, a
aniversários, a shows, enfim, vão encontrar a galera, como eles falavam até bem
recentemente.
Já
de madrugada, naquele sono de vigília, ouço um carro que para em frente de casa
e o portão se abre e um deles entra: é o caçula; depois, um carro que estaciona,
ouço a porta se abrindo de um jeito único e eu sei que é o mais velho voltando;
por fim, outro carro estaciona fazendo o barulho conhecido das manobras para
caber na sua vaga; outra vez, o som da chave na fechadura, uma porta que se
fecha e a luz da varanda é apagada: minha filha que chega.
São
minhas partes, de volta. Meus filhos que sobreviveram outra noite na “night”.”
Nessa
fase em que vivo agora, a qual muitos nomeiam de “ninho vazio”, o mais velho se
casou, mas ainda mora na mesma cidade, bem perto e eu o vejo, ainda, voltar,
mesmo que provisoriamente. O caçula, na faculdade e iniciando no mercado de
trabalho, está pouco tempo em casa, na maior parte no quarto, com os aparatos
tecnológicos que o conectam ao mundo – e o desconectam de mim.
E
a do meio, está fora do país, fazendo um intercâmbio que eu apoiei, incentivei
e possibilitei. E há arrependimentos para os três verbos, de sobra.
Então, sinto-me, muito mais fortemente, di-vi-di-da.
O
fato de ela estar mais distante, em outro país, me torna uma mãe frágil,
insegura, medrosa, pois sei que, se ela precisar desta “supermãe salvadora de
todos os perigos do mundo” - porque é assim que nós, mães, nos sentimos, a
despeito e termos provas incontestes, todos os dias, da nossa fraqueza e da
nossa falibilidade - eu sei que não poderei ir correndo até ela.
Mas,
como nada dura para sempre, minha loirinha está de volta. Daqui a exatos sete
dias, eu a abraçarei no desembarque do aeroporto Jorge Teixeira e vivenciarei,
mesmo que por pouco tempo, a plenitude da minha inteireza, com meus três filhos
respirando, como eu, mesmo ar de Rondônia, de Porto Velho.
Recarregarei
as baterias para, logo, logo, me ver cortada em pedaços, outra vez.
Outras
vezes.
E
a próxima vez já se anuncia: é que serei avó, serei “mãe duas vezes”; então, já
preparo o corpo e a alma para novos cortes, para novas divisões. E me
multiplico, como multiplica, também, meu amor por estes que serão, no futuro,
as testemunhas da minha passagem pelo mundo. Neles, nos quais sei que
permanecerei viva, sempre.
Assim,
espero a Letícia e.... quem mais chegar!
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