Ele
é uma pessoa especial. É raro poder afirmar que alguém é especial nos dias de
hoje, onde tudo está tão massificado: às vezes, tenho a impressão de estar
vendo uma multidão de robôs vestidos da mesma forma, falando, cantando,
pensando do mesmo modo, Meu Deus!
Seu
Inácio deve ter, no chute, entre sessenta e setenta anos (eu sou muito ruim de
chute!), mora na mesma rua que eu e é o marido de uma professora amiga minha.
Ele está no seu segundo casamento. É aposentado. É falante, curioso, vivo.
Conversa muito e demoradamente sobre tudo: política, educação, tecnologia, etc.
O
grande problema do Seu Inácio é que ele dispõe de um tempo que nós não podemos
nos dar o luxo de dispor, jogando
conversa fora. O homem contemporâneo perdeu a medida do tempo e não consegue
mais lidar com ele de forma saudável. O dia sempre parece menor, o trabalho
está sempre atrasado e nunca damos conta dos compromissos assumidos. O Seu
Inácio é um homem que merece o tempo das pessoas.
Quando
ele se mudou para a minha rua e foi aos poucos conhecendo as pessoas, foi se
aproximando de todos: um cumprimento no portão de casa, um comentário sobre o
tempo e, depois, longas conversas.
Acho
que por saber que somos professores, meu marido e eu, o Seu Inácio, talvez
ainda acreditando que os professores sabem das coisas, passou a nos procurar
com suas dúvidas, seus dilemas, suas curiosidades.
Um
dia, num domingo bem cedinho, Seu Inácio nos bate à porta. Ao abrir, ainda
sonolenta, ele me pergunta, de chofre:
__
Professora (ele só me chama de professora), o Colosso de Rhodes? O que foi o
Colosso de Rhodes, professora? Foi algo grande! Sim, porque colosso vem de
colossal, que é grande. Então sabemos que foi uma coisa grande, mas o quê,
professora?
Eu,
ainda meio fora do ar, disse que não tinha a menor idéia, Seu Inácio! E ele,
sem me dar tempo de responder, na lata:
__
Pesquise, professora, pesquise. Precisamos saber!
É
mesmo, Seu Inácio, como é que eu sobrevivi tantos anos sem saber o que era o
Colosso de Rhodes?!
Dias
depois, contando esta história aos meus alunos, que eu achei belíssima, um
deles me disse que o Colosso de Rhodes foi uma estátua gigante de pedra que
ficava no mar; era tão grande que os navios passavam no meio das suas pernas;
disse também que é considerada uma das sete maravilhas do mundo e que foi
destruída num terremoto.
Fiquei
animada de poder responder aos anseios do meu vizinho e logo que o reencontrei,
contei o que o meu aluno havia dito. Seu Inácio ficou muito satisfeito.
Um
tempo depois, veio solicitar ajuda para viajar na Internet: havia comprado um
computador e entrado num curso de computação, mas estava infeliz, o curso era
muito lento e ele tinha pressa. Foi, então, o Thiago, nas horas livres, lá pra
casa do Seu Inácio.
Um
dia, ele deixou na porta de casa um embrulho: era um presente para o seu novo
professor.
Agradecemos
o gesto carinhoso, dissemos que não precisava.
Ainda
o ajudamos numa outra vez, agora sobre a etimologia do seu nome. Seu Inácio nos
contava que o único nome cuja origem e significado ele nunca havia encontrado
era o seu. Quando me dispus a procurar, ele nos surpreendeu: não se chamava de
fato Inácio, seu verdadeiro nome era Isaurino.
Já
que estava com o livro nas mãos, não custava dar uma olhada e lá estava:
Isauro, do latim, igual a ouro. Isaurino, então, era o adjetivo que virou nome
próprio, algo como de ouro, ou dourado.
Surpreso
por acharmos os nomes e feliz com os significados, lá se foi o Seu Inácio,
feliz da vida, acreditando ainda que os professores sabem das coisas.
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