quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

História do jacaré ou Recuperação pela Arte

É muito bom quando nos contam histórias que nos fazem rir. Rir transforma o dia, clareia os pensamentos, ilumina a vida. Já disseram que brincar é condição fundamental para ser sério. Acho humor fundamental.
Nem sempre o tenho bom. Aliás, na família, tenho fama de ser mal humorada, talvez pelo exercício do papel de mãe, que exige negar, às vezes. Também porque ocupo a nada agradável posição de pagadora de contas e controladora do orçamento familiar; por isso, sou a que diz: Não! Não dá! Não pode! Não vai! Como manter o bom humor nessas horas?
Na sala de aula, no exercício da minha profissão, sempre tentei agregar um pouco de bom humor, acreditando que aprender pode, sim, ser agradável, divertido, quando é possível, é claro, porque há conteúdos áridos, mais difíceis de assimilar e para os quais é mais trabalhoso estabelecer um link com o bom humor.
Se rir é bom, o que falar daquelas histórias que nos fazem rir muito, rir demais, rir até chorar. Sou dessas que choram ao rir; rio tanto que saem lágrimas dos meus olhos.
Ri muito de uma história que o amigo de um amigo meu lhe contou e que ele recontou várias vezes. Na verdade, se fosse para levar a sério, eu não deveria ter rido, deveria ter só chorado.
O fato é que nos damos o direito de sair da linha, de dispensar o pensamento politicamente correto e rir, simplesmente, sem estar analisando tudo, o tempo todo.
A pessoa que lhe contou esta história trabalha num dos tantos presídios que há Brasil afora.
Disse-lhe que uma mulher tinha ido visitar o marido preso e que este a instruíra a, na saída, pegar um jacaré que ele fizera e levar para casa.
Ele havia formatado um grande jacaré em papelão, pintara-o com toda a sua criatividade e o bicho tinha ficado muito colorido.
O agente que estava na ocasião, à saída, contou que a mulher, ao ver o jacaré, teve um surto e esbravejou:
__ Como pode um homem fazer uma coisa ridícula dessas? O senhor acha que um homem desse tem futuro? Um homem desse tem é que estar preso mesmo!!
E arremessou o jacaré para o mais longe que pode.
Ela, com certeza, não acredita no potencial da Arte na recuperação do ser humano.
Seria trágico, se não fosse cômico. Seria cômico, se não fosse trágico.

Vocês escolham.  

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Pequenas grandes notícias

Uma amiga minha falava-me que descobrira algumas irregularidades na sua saúde: colesterol alterado, dentre outras. Iniciara uma dieta rigorosa. E dizia das preocupações com os filhos distantes, com a vida e com os dilemas do cotidiano que contribuem ainda mais para fragilizar nossos corpos.
Contou-me, então, um episódio vivido há pouco. Havia chegado em casa, cansada depois de um dia inteiro de luta, e decidira jantar apenas um copo de leite com torradas.
O marido, vendo a situação, foi preparar-lhe uma refeição, ainda que dentro da dieta, um pouco mais agradável. Foi lhe perguntando a quantidade de arroz integral e de outros alimentos que ela poderia ingerir, preparou-lhe o prato e entregou-o nas mãos dela.
Ela me disse que sorriu e que retrucou:
__ Pronto! Agora você vai me dar comida na boca também!
E que ele, belamente, respondeu, cantando:
__ “Quando a gente ama, é claro que a gente cuida...”
Fiquei encantada com esse relato.
Pensei: os jornais precisariam noticiar episódios assim, aparentemente banais, que escapam aos nossos olhos e ouvidos contemporâneos, que perderam a habilidade de ver e de ouvir o que é essencial, mas que são singelos, delicados, amorosos e especiais.
Se nos deparássemos com essas pequenas grandes delicadezas no telejornal da manhã ou quando abríssemos o jornal impresso ou a revista que nos chega pelo correio, a vida teria mais cor, mais sons e mais graça, e seria permeada pela crença de que o amor se refaz, de que é possível amar mais e melhor, apesar de todas as dores e de todas as perdas que ela própria nos impõe, ao longo da jornada de cada um de nós.
Enfim, essas pequenas grandes notícias seriam bálsamos a fortalecer nossa crença em que a vida vale a pena. 


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Meus cinco casamentos

Outro dia ouvi, num programa de televisão, alguém comentar sobre um casamento desfeito e dizer:
__ Ficaram juntos por mais de três anos. Durou muito!!!
Achei graça. Muito é relativo.
Imagino que casais que estão juntos há vinte, vinte e cinco, trinta anos ou mais também achem graça das novas relações estabelecidas com o tempo. E elas são, de fato, muito diferentes. Basta ver o uso contemporâneo do conceito de tradição. Tudo passa a ser tradicional, desde que tenha se repetido uma ou duas vezes.
Voltando ao casamento, talvez, os que duraram três e os que duram trinta anos ou mais não sejam tão diferentes assim.
A diferença reside no modo como os casais lidam com as adversidades, com os conflitos e com as perdas inerentes a quaisquer relações.
Sou de uma época em que, quando algo se quebrava, nós consertávamos. Hoje, joga-se fora e compra-se outro. Mais ou menos como os casais mais jovens estão fazendo com o casamento.
Significa dizer que há as mesmas dificuldades nos casamentos duradouros. Eles também se constituem nesse movimento de ir e vir, nesse apaixonar-se e desapaixonar-se comuns a todas as relações, às atuais e às mais antigas.
      Significa dizer que os casais que permanecem juntos por mais tempo talvez tenham uma maior compreensão sobre o tempo e seus efeitos. Sabem que “o tempo cura queijo”, ou seja, minimiza as incompreensões, ameniza as mágoas, põe os sentidos todos nos seus devidos lugares. Não acreditam que os casamentos sejam líquidos, como diria Zygmunt Bauman.
Mas é necessário explicitar que há uma premissa básica, fundamental, para que esses consertos sejam feitos e sejam bem sucedidos: ambos precisam desejar a continuidade da relação. Se um dos dois não quiser, nenhum reparo, mesmo que pequeno, poderá ser feito.  
Ao longo de muitos anos, vivenciamos esse movimento. Acordamos, olhamos para o lado e vemos este outro dormindo e exclamamos:
__ Meu Deus! Muito obrigada/o. Que bom ter encontrado esta pessoa! Que sorte a minha!
Estamos apaixonados.
Mas também há os períodos em que olhamos da mesma forma para o lado, vemos a mesma pessoa dormindo e nos perguntamos:
__ Como é que eu pude me casar com essa criatura? Onde eu estava com a cabeça?
Claro, estamos desencantados, decepcionados, em crise.
E está tudo certo. Desde que a vida esteja em movimento. Se pararmos muito tempo no desencanto, não aguentamos. Buscamos outros caminhos. Outros “parceiros de viagem”.
Quando ficamos muito tempo no encantamento, é maravilhoso. Esse período nos municia, nos alimenta para os invernos e para a escassez de graça, de delicadeza e de fé na relação que sabemos que virão, já que há apenas uma constante no universo: a mudança.
Deste modo, o que estou defendendo aqui é que os casamentos longos já se acabaram algumas vezes, alguns até muitas vezes. Nem sempre com tormentas, com tempestades nas quais abundam relâmpagos e trovões.
Às vezes, nos descasamos em silêncio, vivenciamos nossa solidão a dois em profundo recolhimento e aguardamos o tempo em que voltará uma alegria gostosa, risadas gratuitas, café da manhã com uma conversinha descompromissada, corpos mais desejosos e desejados e, é claro, sexo gostoso, como se fosse a primeira vez.
As mulheres se descasam e se recasam com os mesmos maridos mais vezes ao longo da vida. Talvez porque queiram mais da vida a dois, porque não se contentam apenas com o almoço saboroso, com a cervejinha, com o comando do controle remoto nas tardes de sábado e com o futebol que tanto os satisfazem.
Por isso, acho que o meu marido se descasou poucas vezes de mim.
Eu já me descasei umas cinco vezes, pelo menos.
De alguns desses descasamentos ele nem teve notícia; de outros, soube a partir do meu olhar, da minha fala silenciada e da minha introspecção.
Escrevo este texto num momento em que meu amado está ausente, uma ausência de apenas três semanas, porém, tempo suficiente para eu olhar tudo o que vivemos com olhos de ver.  
No início, uma saudade aliviada: bom encher o rosto de cosméticos das mais diversas naturezas -  argila é o preferido do momento - dormir no meio da cama, não precisar recolher tantos sapatos pelo chão na hora da limpeza; bom manter a temperatura do chuveiro sempre do meu agrado, a tampa do vaso sanitário sempre abaixada; bom não ter que negociar o cotidiano.
Depois, o café da manhã sozinha; o vazio causado pela falta do seu humor, bom sempre; o programa Senhor Brasil, nas manhãs de domingo, na TV Cultura, já sem a mesma graça; nenhuma xícara de café quentinho, logo após o almoço, servido na sala, onde, sempre que posso, me deito para um cochilo e/ou para assistir o Estúdio I, na Globo News.
Como o segredo do amor é conciliarmos presença e ausência com sabedoria, se a presença nos cansa e nos acomoda um pouco, a ausência nos conta do essencial invisível aos olhos que, de fato, conta na relação. Na ausência, separamos o joio do trigo, o que é banal daquilo que é fundamental e valorizamos mais este outro que não está ao nosso lado.
Por isso, estou no ciclo do encantamento. Aguardo sua volta, plena. Estou noiva. E vou me casar mais uma vez. Com ele.