Outro
dia ouvi, num programa de televisão, alguém comentar sobre um casamento
desfeito e dizer:
__
Ficaram juntos por mais de três anos. Durou muito!!!
Achei
graça. Muito é relativo.
Imagino
que casais que estão juntos há vinte, vinte e cinco, trinta anos ou mais também
achem graça das novas relações estabelecidas com o tempo. E elas são, de fato,
muito diferentes. Basta ver o uso contemporâneo do conceito de tradição. Tudo
passa a ser tradicional, desde que tenha se repetido uma ou duas vezes.
Voltando
ao casamento, talvez, os que duraram três e os que duram trinta anos ou mais não
sejam tão diferentes assim.
A
diferença reside no modo como os casais lidam com as adversidades, com os
conflitos e com as perdas inerentes a quaisquer relações.
Sou
de uma época em que, quando algo se quebrava, nós consertávamos. Hoje, joga-se
fora e compra-se outro. Mais ou menos como os casais mais jovens estão fazendo com o
casamento.
Significa
dizer que há as mesmas dificuldades nos casamentos duradouros. Eles também se
constituem nesse movimento de ir e vir, nesse apaixonar-se e desapaixonar-se
comuns a todas as relações, às atuais e às mais antigas.
Significa
dizer que os casais que permanecem juntos por mais tempo talvez tenham uma
maior compreensão sobre o tempo e seus efeitos. Sabem que “o tempo cura
queijo”, ou seja, minimiza as incompreensões, ameniza as mágoas, põe os
sentidos todos nos seus devidos lugares. Não acreditam que os casamentos sejam líquidos, como diria Zygmunt Bauman.
Mas é necessário explicitar que há uma premissa básica, fundamental, para que esses consertos sejam feitos e sejam bem sucedidos: ambos precisam desejar a continuidade da relação. Se um dos dois não quiser, nenhum reparo, mesmo que pequeno, poderá ser feito.
Ao
longo de muitos anos, vivenciamos esse movimento. Acordamos, olhamos para o
lado e vemos este outro dormindo e exclamamos:
__
Meu Deus! Muito obrigada/o. Que bom ter encontrado esta pessoa! Que sorte a
minha!
Estamos
apaixonados.
Mas
também há os períodos em que olhamos da mesma forma para o lado, vemos a mesma
pessoa dormindo e nos perguntamos:
__
Como é que eu pude me casar com essa criatura? Onde eu estava com a cabeça?
Claro,
estamos desencantados, decepcionados, em crise.
E
está tudo certo. Desde que a vida esteja em movimento. Se pararmos muito tempo
no desencanto, não aguentamos. Buscamos outros caminhos. Outros “parceiros de
viagem”.
Quando
ficamos muito tempo no encantamento, é maravilhoso. Esse período nos municia,
nos alimenta para os invernos e para a escassez de graça, de delicadeza e de fé
na relação que sabemos que virão, já que há apenas uma constante no universo: a
mudança.
Deste
modo, o que estou defendendo aqui é que os casamentos longos já se acabaram
algumas vezes, alguns até muitas vezes. Nem sempre com tormentas, com
tempestades nas quais abundam relâmpagos e trovões.
Às
vezes, nos descasamos em silêncio, vivenciamos nossa solidão a dois em profundo
recolhimento e aguardamos o tempo em que voltará uma alegria gostosa, risadas
gratuitas, café da manhã com uma conversinha descompromissada, corpos mais
desejosos e desejados e, é claro, sexo gostoso, como se fosse a primeira vez.
As
mulheres se descasam e se recasam com os mesmos maridos mais vezes ao longo da
vida. Talvez porque queiram mais da vida a dois, porque não se contentam apenas com o
almoço saboroso, com a cervejinha, com o comando do controle remoto nas tardes de
sábado e com o futebol que tanto os satisfazem.
Por
isso, acho que o meu marido se descasou poucas vezes de mim.
Eu
já me descasei umas cinco vezes, pelo menos.
De
alguns desses descasamentos ele nem teve notícia; de outros, soube a partir do
meu olhar, da minha fala silenciada e da minha introspecção.
Escrevo
este texto num momento em que meu amado está ausente, uma ausência de apenas
três semanas, porém, tempo suficiente para eu olhar tudo o que vivemos com
olhos de ver.
No
início, uma saudade aliviada: bom encher o rosto de cosméticos das mais
diversas naturezas - argila é o
preferido do momento - dormir no meio da cama, não precisar recolher tantos
sapatos pelo chão na hora da limpeza; bom manter a temperatura do chuveiro sempre do meu agrado, a tampa do vaso sanitário sempre abaixada; bom não ter que negociar o cotidiano.
Depois,
o café da manhã sozinha; o vazio causado pela falta do seu humor, bom sempre; o programa Senhor Brasil, nas manhãs de domingo, na TV Cultura, já sem a mesma graça; nenhuma xícara de café quentinho, logo após o almoço, servido na sala, onde, sempre que posso, me deito para um cochilo e/ou para assistir o Estúdio I, na Globo News.
Como
o segredo do amor é conciliarmos presença e ausência com sabedoria, se a
presença nos cansa e nos acomoda um pouco, a ausência nos conta do essencial
invisível aos olhos que, de fato, conta na relação. Na ausência, separamos o
joio do trigo, o que é banal daquilo que é fundamental e valorizamos mais este outro
que não está ao nosso lado.
Por
isso, estou no ciclo do encantamento. Aguardo sua volta, plena. Estou noiva. E
vou me casar mais uma vez. Com ele.