quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Meus cinco casamentos

Outro dia ouvi, num programa de televisão, alguém comentar sobre um casamento desfeito e dizer:
__ Ficaram juntos por mais de três anos. Durou muito!!!
Achei graça. Muito é relativo.
Imagino que casais que estão juntos há vinte, vinte e cinco, trinta anos ou mais também achem graça das novas relações estabelecidas com o tempo. E elas são, de fato, muito diferentes. Basta ver o uso contemporâneo do conceito de tradição. Tudo passa a ser tradicional, desde que tenha se repetido uma ou duas vezes.
Voltando ao casamento, talvez, os que duraram três e os que duram trinta anos ou mais não sejam tão diferentes assim.
A diferença reside no modo como os casais lidam com as adversidades, com os conflitos e com as perdas inerentes a quaisquer relações.
Sou de uma época em que, quando algo se quebrava, nós consertávamos. Hoje, joga-se fora e compra-se outro. Mais ou menos como os casais mais jovens estão fazendo com o casamento.
Significa dizer que há as mesmas dificuldades nos casamentos duradouros. Eles também se constituem nesse movimento de ir e vir, nesse apaixonar-se e desapaixonar-se comuns a todas as relações, às atuais e às mais antigas.
      Significa dizer que os casais que permanecem juntos por mais tempo talvez tenham uma maior compreensão sobre o tempo e seus efeitos. Sabem que “o tempo cura queijo”, ou seja, minimiza as incompreensões, ameniza as mágoas, põe os sentidos todos nos seus devidos lugares. Não acreditam que os casamentos sejam líquidos, como diria Zygmunt Bauman.
Mas é necessário explicitar que há uma premissa básica, fundamental, para que esses consertos sejam feitos e sejam bem sucedidos: ambos precisam desejar a continuidade da relação. Se um dos dois não quiser, nenhum reparo, mesmo que pequeno, poderá ser feito.  
Ao longo de muitos anos, vivenciamos esse movimento. Acordamos, olhamos para o lado e vemos este outro dormindo e exclamamos:
__ Meu Deus! Muito obrigada/o. Que bom ter encontrado esta pessoa! Que sorte a minha!
Estamos apaixonados.
Mas também há os períodos em que olhamos da mesma forma para o lado, vemos a mesma pessoa dormindo e nos perguntamos:
__ Como é que eu pude me casar com essa criatura? Onde eu estava com a cabeça?
Claro, estamos desencantados, decepcionados, em crise.
E está tudo certo. Desde que a vida esteja em movimento. Se pararmos muito tempo no desencanto, não aguentamos. Buscamos outros caminhos. Outros “parceiros de viagem”.
Quando ficamos muito tempo no encantamento, é maravilhoso. Esse período nos municia, nos alimenta para os invernos e para a escassez de graça, de delicadeza e de fé na relação que sabemos que virão, já que há apenas uma constante no universo: a mudança.
Deste modo, o que estou defendendo aqui é que os casamentos longos já se acabaram algumas vezes, alguns até muitas vezes. Nem sempre com tormentas, com tempestades nas quais abundam relâmpagos e trovões.
Às vezes, nos descasamos em silêncio, vivenciamos nossa solidão a dois em profundo recolhimento e aguardamos o tempo em que voltará uma alegria gostosa, risadas gratuitas, café da manhã com uma conversinha descompromissada, corpos mais desejosos e desejados e, é claro, sexo gostoso, como se fosse a primeira vez.
As mulheres se descasam e se recasam com os mesmos maridos mais vezes ao longo da vida. Talvez porque queiram mais da vida a dois, porque não se contentam apenas com o almoço saboroso, com a cervejinha, com o comando do controle remoto nas tardes de sábado e com o futebol que tanto os satisfazem.
Por isso, acho que o meu marido se descasou poucas vezes de mim.
Eu já me descasei umas cinco vezes, pelo menos.
De alguns desses descasamentos ele nem teve notícia; de outros, soube a partir do meu olhar, da minha fala silenciada e da minha introspecção.
Escrevo este texto num momento em que meu amado está ausente, uma ausência de apenas três semanas, porém, tempo suficiente para eu olhar tudo o que vivemos com olhos de ver.  
No início, uma saudade aliviada: bom encher o rosto de cosméticos das mais diversas naturezas -  argila é o preferido do momento - dormir no meio da cama, não precisar recolher tantos sapatos pelo chão na hora da limpeza; bom manter a temperatura do chuveiro sempre do meu agrado, a tampa do vaso sanitário sempre abaixada; bom não ter que negociar o cotidiano.
Depois, o café da manhã sozinha; o vazio causado pela falta do seu humor, bom sempre; o programa Senhor Brasil, nas manhãs de domingo, na TV Cultura, já sem a mesma graça; nenhuma xícara de café quentinho, logo após o almoço, servido na sala, onde, sempre que posso, me deito para um cochilo e/ou para assistir o Estúdio I, na Globo News.
Como o segredo do amor é conciliarmos presença e ausência com sabedoria, se a presença nos cansa e nos acomoda um pouco, a ausência nos conta do essencial invisível aos olhos que, de fato, conta na relação. Na ausência, separamos o joio do trigo, o que é banal daquilo que é fundamental e valorizamos mais este outro que não está ao nosso lado.
Por isso, estou no ciclo do encantamento. Aguardo sua volta, plena. Estou noiva. E vou me casar mais uma vez. Com ele.



Nenhum comentário:

Postar um comentário