quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sobre galos, galinhas e frangos

As pessoas mais jovens desenvolveram outra relação com os animais. Atualmente, com a industrialização, com as leis, há mais proteção, há mais cuidado. Muitos jovens nem se dão conta de que à mesa, há animais, tal o modo como eles chegam a ela.
 Nossa geração mantinha outra relação com os animais. E não era maldade, malvadeza. Quer dizer, havia, sim, malvadeza em certo grau, mas, na maioria das vezes, era a necessidade, o modelo de vida que determinava se e quando eles seriam mortos.
Lembro-me de algumas histórias sobre frangos, galinhas e galos.
Uma vez, meu filho mais velho disse à avó:
__ Olha, vó, os passarinhos! Disse-o ao avistar uma galinha com seus pintinhos ciscando numa rua de Inúbia Paulista.
Outra geração. Devia pensar que os frangos vêm em sacos. E eu assustada. Criado em Porto Velho, uma fazendona ainda àquela época, eu nem sabia que ele não conhecia frango em estado natural.
Outra vez, comprei uma galinha, na porta de casa, de um vendedor que passava com várias penduradas em um cabo de vassoura, ainda vivas.
Eu disse:
__ Eu compro se o senhor matar pra mim. Quando ele assentiu com a cabeça, garantindo a venda, eu disse:
__ Vou lá dentro pegar um prato pro senhor aparar o sangue.
E ele, horrorizado:
__ Não faça isso não, dona. Pelo amor de Deus! É crime! Deus castiga!
Mesmo assim, matou a galinha e aparou o sangue. Mas confesso que fiquei constrangida e com menos apetite naquela manhã.
No fim, penso que Deus, pai de extrema bondade, deve ter outros pecados mais poderosos para julgar.
Minha mãe, exímia matadora de galinhas, contava que nem sempre a matança dava certo. Uma vez, não cortou direito o pescoço da galinha e ela saiu pelo quintal, cacarejando e pulando, ensanguentada.
Que desespero.
Noutra época, eu estava com parentes vindos do interior de São Paulo em casa e pensei se não seria uma boa opção levá-los à feira para eles conhecerem como elas funcionam nestas bandas e eu aproveitaria pra comprar frango caipira: faria uma panelada e os livraria dos bifes de todos os dias.
Na feira, quando já nos aproximávamos da banca que os vendia e eu já me preparando para fazer o pedido – não daqueles já depenados; eu preferia escolher o frango vivo e pedir pra matar na hora – ouvi minha cunhada exclamar, ao ver os frangos já pelados ali expostos:
__ Ai, que nojo!
Simplesmente passei direto pela banca, ignorando-a completamente, e voltei ao bom e tradicional bife dos paulistas.
Como é que eu não antecipei essa aversão e esse nojo que são muito coerentes?
As feiras em São Paulo funcionam de outra maneira, principalmente, com relação à higiene. Por lá, não se vê carnes in natura sendo vendidas. Quem é leitor/a desse blog, e conhece as feiras do sul, em comparação com as nossas, sabe do que eu estou falando.
É que a gente se acostuma. Como escreveu a Marina Colassanti: a gente se acostuma, mas não devia...
Mas a melhor e mais recente história que conheço sobre nós e os galináceos veio da minha irmã, Elenita, que mora em Natal – RN.
Ela me ligou num domingo, cedinho:
__ Neusa, advinha o que eu fiz?!? Matei um galo!!!!
O marido havia perguntado e pedido:
__ Você sabe matar um galo? Se eu trouxer um, você mata?
E ela:
__ Acho que eu sei. Eu já matei galo! E também vi minha mãe matar, várias vezes. É... traz....
Ele trouxe.
E ela continuou:
Você lembra como faz pra talhar o sangue? Porque ao molho pardo é só jogar o sangue na panela, mas como é pra talhar? Eu não quero ao molho pardo, quero o sangue em pedaços.
E eu:
__ Menina, eu nem lembro mais. Faz tanto tempo! Será que é acrescentando vinagre?
E ela:
__ Não, acho que não. Mãe talhava e a gente não tinha acesso a produtos industrializados. Acho que é com água fervente. Vou tentar.
E me ligou de volta:
__ Neusa, é com água fervente. Deu certo!
E terminou de contar a saga do galo.
O galo chegara no dia anterior.
De madrugada, acompanhando o latido do cachorro, ele começou a cantar, anunciando a manhã que vinha chegando, sem a sorte dos galos do João Cabral de Melo Neto, que, lindamente, teceram as minhas e as manhãs de muitos leitores.
Ela, ainda na cama, ouvia o cantar do galo e pedia, já meio compadecida:
__ Ai, não canta não!
Como matar um galo cantor, não é?
Mas matou-o, mesmo assim.
Ela é ótima cozinheira. O galo deve ter ficado uma delícia.
Que me desculpem os amantes e protetores dos animais, mas devo confessar que me deu uma certa vontade de estar lá e de comer um pedaço daquele galo.
Apesar do canto.



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