As
pessoas mais jovens desenvolveram outra relação com os animais. Atualmente, com
a industrialização, com as leis, há mais proteção, há mais cuidado. Muitos
jovens nem se dão conta de que à mesa, há animais, tal o modo como eles chegam
a ela.
Nossa geração mantinha outra relação com os
animais. E não era maldade, malvadeza. Quer dizer, havia, sim, malvadeza em
certo grau, mas, na maioria das vezes, era a necessidade, o modelo de vida que
determinava se e quando eles seriam mortos.
Lembro-me
de algumas histórias sobre frangos, galinhas e galos.
Uma
vez, meu filho mais velho disse à avó:
__
Olha, vó, os passarinhos! Disse-o ao avistar uma galinha com seus pintinhos
ciscando numa rua de Inúbia Paulista.
Outra
geração. Devia pensar que os frangos vêm em sacos. E eu assustada. Criado em
Porto Velho, uma fazendona ainda
àquela época, eu nem sabia que ele não conhecia frango em estado natural.
Outra
vez, comprei uma galinha, na porta de casa, de um vendedor que passava com
várias penduradas em um cabo de vassoura, ainda vivas.
Eu
disse:
__
Eu compro se o senhor matar pra mim. Quando ele assentiu com a cabeça,
garantindo a venda, eu disse:
__
Vou lá dentro pegar um prato pro senhor aparar o sangue.
E
ele, horrorizado:
__
Não faça isso não, dona. Pelo amor de Deus! É crime! Deus castiga!
Mesmo
assim, matou a galinha e aparou o sangue. Mas confesso que fiquei constrangida
e com menos apetite naquela manhã.
No
fim, penso que Deus, pai de extrema bondade, deve ter outros pecados mais poderosos
para julgar.
Minha
mãe, exímia matadora de galinhas, contava que nem sempre a matança dava certo.
Uma vez, não cortou direito o pescoço da galinha e ela saiu pelo quintal, cacarejando
e pulando, ensanguentada.
Que
desespero.
Noutra
época, eu estava com parentes vindos do interior de São Paulo em casa e pensei
se não seria uma boa opção levá-los à feira para eles conhecerem como elas
funcionam nestas bandas e eu aproveitaria pra comprar frango caipira: faria uma
panelada e os livraria dos bifes de todos os dias.
Na
feira, quando já nos aproximávamos da banca que os vendia e eu já me preparando
para fazer o pedido – não daqueles já depenados; eu preferia escolher o frango
vivo e pedir pra matar na hora – ouvi minha cunhada exclamar, ao ver os frangos já
pelados ali expostos:
__
Ai, que nojo!
Simplesmente
passei direto pela banca, ignorando-a completamente, e voltei ao bom e
tradicional bife dos paulistas.
Como
é que eu não antecipei essa aversão e esse nojo que são muito coerentes?
As
feiras em São Paulo funcionam de outra maneira, principalmente, com relação à
higiene. Por lá, não se vê carnes in
natura sendo vendidas. Quem é leitor/a desse blog, e conhece as feiras do
sul, em comparação com as nossas, sabe do que eu estou falando.
É
que a gente se acostuma. Como escreveu a Marina Colassanti: a gente se
acostuma, mas não devia...
Mas
a melhor e mais recente história que conheço sobre nós e os galináceos veio da
minha irmã, Elenita, que mora em Natal – RN.
Ela
me ligou num domingo, cedinho:
__
Neusa, advinha o que eu fiz?!? Matei um galo!!!!
O
marido havia perguntado e pedido:
__
Você sabe matar um galo? Se eu trouxer um, você mata?
E
ela:
__
Acho que eu sei. Eu já matei galo! E também vi minha mãe matar, várias vezes. É...
traz....
Ele
trouxe.
E ela
continuou:
Você
lembra como faz pra talhar o sangue? Porque ao molho pardo é só jogar o sangue na
panela, mas como é pra talhar? Eu não quero ao molho pardo, quero o sangue em
pedaços.
E
eu:
__
Menina, eu nem lembro mais. Faz tanto tempo! Será que é acrescentando vinagre?
E
ela:
__
Não, acho que não. Mãe talhava e a gente não tinha acesso a produtos
industrializados. Acho que é com água fervente. Vou tentar.
E me
ligou de volta:
__
Neusa, é com água fervente. Deu certo!
E
terminou de contar a saga do galo.
O
galo chegara no dia anterior.
De
madrugada, acompanhando o latido do cachorro, ele começou a cantar, anunciando
a manhã que vinha chegando, sem a sorte dos galos do João Cabral de Melo Neto,
que, lindamente, teceram as minhas e as manhãs de muitos leitores.
Ela,
ainda na cama, ouvia o cantar do galo e pedia, já meio compadecida:
__
Ai, não canta não!
Como
matar um galo cantor, não é?
Mas
matou-o, mesmo assim.
Ela
é ótima cozinheira. O galo deve ter ficado uma delícia.
Que me
desculpem os amantes e protetores dos animais, mas devo confessar que me deu
uma certa vontade de estar lá e de comer um pedaço daquele galo.
Apesar
do canto.
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