quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Uma boa conversa

      Eu adoro conversar. As pessoas, todas, podem nos contar histórias interessantíssimas.      Basta ter olhos de ver e coração aberto.
     Antigamente,  eu tinha mais oportunidades: havia as filas intermináveis nos bancos; a espera  nos pontos e os longos percursos nos ônibus.
     Hoje,   minha melhor chance são as filas no caixa do supermercado,  mas, por mais demoradas que sejam, nunca há tempo suficiente para uma boa história. 
     Restam os salões de cabeleireiros. Mas eu vou a eles cada vez menos. Na verdade, só nas datas especiais. Ontem foi uma delas.
     No salão,  conheço Dona Áurea: magérrima, cabelo curtinho,  todo branco; um vestido tubinho que a deixa ainda mais fininha - hoje falam sim; jóias classudas no pescoço, nos dedos e nas orelhas; uma certa dificuldade de locomoção - usa uma bengala que não lhe tira o charme.
     Ao vê-la se ajeitando na cadeira, com a ajuda da manicure, fico pensando que não seria mal me tornar uma velhinha como ela. O desafio seria a magreza.
     Claro, puxo conversa. Falamos sobre cabelos brancos - e eu na militância em defesa dos mesmos; falamos sobre filhos e netos e: conto-lhe do diário que eu escrevo para e sobre a minha netinha;  inevitavelmente,  a conversa chega na trajetória profissional de cada uma de nós.
     Ela foi  secretária do pai de um famoso apresentador, no Rio de Janeiro. Morava lá e amava - e ainda ama - a cidade. Transferido o marido  para São Paulo, com um casal de filhos, a menina recém nascida, demorou a se adaptar: chorou, muitas vezes, de saudade do mar. Sugiro que ela escreva suas memórias: no futuro, um bisneto, um tataraneto apaixonado pelo mar saberá a origem dessa paixão. E atiço: a escrita nos eterniza, dona Áurea. Estaremos vivos, através da nossa escrita, para os que virão, os filhos dos filhos dos nossos filhos,  aqueles que já amamos, mas que não conheceremos. Ela arregala os olhinhos: não tinha considerado esse caminho...
     Mora no nordeste por causa da filha, que se casou e que veio construir a vida em Natal.
     O marido foi gerente do Banco do Brasil.  Está com Alzheimer.  Conto-lhe das minhas experiências de esquecimento. Lembro- me do filme Para sempre Alice, que me impactou tanto. Ela me diz que vai assistir. E me conta que os filhos não têm paciência. Questiona essa doença cruel. E repete várias vezes: Os filhos não têm nenhuma paciência.
     Que medo! Que medo dessa doença. Que medo de me perder de mim. De me perder das minhas histórias. Acredito que nós somos as histórias que vivemos. Para o bem e para o mal.      
     Que medo da possibilidade dessa impaciência!
     E continua: o marido come bem, dorme bem.  Mas o banho é uma dificuldade.
     A manicure se levanta para abrir a porta. Nesse momento, me diz, me cortando o coração : Ah! Eu não posso continuar te contando porque minha filha chegou.
     Logo,  a moça da maquiagem me chama para outra sala e eu sei que, quando voltar, ela não estará mais lá porque só vai fazer as unhas das mãos e é rápido. Sinto uma peninha de deixá-la. Então, me abaixo e lhe dou uns beijinhos no rosto, me despedindo.
     Eu ficaria horas conversando com Dona Áurea. Acho que ela também, porque, ao retribuir meu gesto, me diz baixinho: Ah! Eu gostei de te conhecer! Gostei muito!
Ah! Dona Áurea, eu também!

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