segunda-feira, 19 de março de 2018

A vida é agora!


     Depois de uma longa e ótima viagem,  embarcamos em Natal, há pouco mais de um mês, meu marido, Tito, e eu. Quase no mesmo horário. Ele no portão nove, e eu, no onze. Nos despedimos e ficamos vendo um ao outro, cada um na sua fila. Eu, de volta a Porto Velho. Ele, a caminho de São Paulo e depois, de Bauru e depois, de Inúbia Paulista,  com a incumbência de reformar a casa da mãe.  
     Senti uma peninha de nos separarmos. Podemos chamar de amor. Podemos dizer que é costume. Nos acostumamos um com a presença do outro. Ainda mais nos últimos cinco meses em que, com a aposentadoria dele, passamos a ficar mais tempo juntos, dividindo todos os momentos de tarefas e de lazer. 
     Nos longos primeiros anos de casamento, nos casos em que ambos os cônjuges trabalham, somos mais administradores de uma casa e pais, que marido e mulher. Os filhos crescidos, seguindo suas vidas, possibilitam o reencontro. 
     Por isso,  deu um apertinho no coração, mesmo sabendo que seria um afastamento provisório. 
De lá pra cá, estamos ambos cuidando. Ele,  da casa da mãe e do irmão que precisa de cuidados especiais. 
     Eu, da nossa casa. Muito trabalho nos primeiros dias: a sensação de que a floresta amazônica quis recuperar seu espaço, de tantos bichos e de tanto mato. A umidade da região, potencializada pela época de chuvas, também me ocupou com mofo em, praticamente, tudo. Até o armário das panelas estava mofado. Aquele mofo que parece uma espuma, uma esponja. Um bioma.
     A previsão é de que a reforma lá deve perdurar. A casa será destelhada e o telhado refeito, pois as telhas, com mais de sessenta anos, estão desmanchando. Um antigo salão que carece de aterro, de janelas e de piso também cobrará o seu tempo. E, como sabemos, em reforma, o Jaque é quem manda: já que quebrou aqui, conserta ali; já que rebocou aqui, pinta ali. E todos os problemas da construção ficam visíveis. 
     Nossa comunicação, via whatsapp -santo whatsapp - algumas vezes por dia, é por áudio e por vídeo. Contamos um ao outro o progresso, o andamento e trocamos fotos.
     E a retomada da rotina. No Pilates, as amigas brincam: 
__ Tá sentindo falta, Neusa?
__ Siiim! Na hora de fazer o café, pela manhã. Quando tenho que levar  o lixo pra rua. Quando preciso ir ao supermercado!
     Ah!Ah!Ahhhh!  As tarefas dele!
     E rimos! 
     Também ter a cama de casal toda pra mim. Os controles do ar e da TV, o celular.  E o rosto cheio de creme.
     Mas, brincadeiras à parte, faz falta sim!
     E aí, já na primeira semana, ele começou:
__ Vem pra cá!
__Tito,você é sem noção! Não dá!  O cartão tá gritando de tantas passagens parceladas em até  duas vidas!
     Foi sempre assim: eu, o feijão; ele, o sonho.
     Seria cômico se não fosse trágico. 
    Na última segunda feira,  reencontro, no Pilates, uma querida amiga cujo marido faleceu em janeiro.     Abraços, condolências, rememorações e explicações para o inexplicável. A morte não precisa de justificativas.  
     E lágrimas. 
     Choramos todas. Por ela, por nós mesmas. Pelos que sofrem.
     Perder quem amamos é provação difícil,  é enfrentamento doloroso do vazio. É para os fortes. 
    Contando pra ela que voltei sozinha, que o Tito estava me chamando,  mas que eu não iria porque nem cheguei direito, porque as contas, porque... porque... mil razões para não ir...
    E ela me surpreende:
__ Vai, Neusa. Dá valor pro Tito. Aproveita o seu companheiro. 
     Vou.
    Claro que vou.
    Dane - se o cartão. Que grite à vontade. 
   Vou aproveitar pra rever minha filha. Vou comemorar com os Tezzaris os 92 anos da minha sogra e vou buscar o Tito.
    Obrigada,  minha querida amiga, por,  mesmo estando mergulhada na sua dor, ter a generosidade de me fazer ver que a vida é  agora.
    Que a vida é tão rara!

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