quinta-feira, 29 de março de 2018

O medo nosso de cada voo

     O avião ainda no solo. Mas as portas já  fechadas. Cintos afivelados e poltronas na vertical.
Vem a comissária de bordo à frente para iniciar os procedimentos de orientação. Faz todos aqueles movimentos conhecidos, fala aquela frase desagradável sobre assentos flutuantes - bem que poderia pular essa parte! Que mau gosto!
     O piloto avisa:
__ Atenção!  Portas em automático.
     Preparados estamos todos os passageiros para a decolagem.
     De repente, o avião apaga. Todinho.
     E ouço uma voz de criança à minha frente:
__ Desligou, mãe!? Sem resposta.
     E, em seguida, uma voz adulta, masculina e bizarra,  às minhas costas:
__ Ainda bem que foi na terra! Já imaginou se estivesse no ar?
     Não precisava ter explicitado o que passou pela cabeça de todo mundo,  né?!
     Todos os passageiros em silêncio.
     E o avião se acende num relampejo rápido, mas com tempo suficiente para ouvirmos, de novo, a voz da criança:
__ A energia chegou!?
     E se apagou novamente. Ao que o mesmo pequenino exclama:
__ Tá escuro, mãe!
     É. Está escuro. Fora e dentro de todos nós, seres amedrontados pelas notícias de acidentes aéreos, que vivenciamos, cotidianamente, a seguinte contradição: por um lado, nos gabamos de termos conseguido a proeza de voar. Um feito para uma espécie bípede e sem asas; por outro lado, o constrangimento de não confiarmos tanto assim nessas máquinas voadoras, a despeito das pesquisas todas que nos contam que o avião é o meio de transporte mais seguro do mundo.
     E o avião apagado. E todos nós na escuridão.
     E eu, com meu celular no modo avião, registrando os fatos em tempo real. Sim, meus queridos leitores: este texto para este blog.
     Para passar o tempo?
     Para não ter que pensar?
     Nem sei. Só sei que meu dedinho vai rapidamente achando as letras que vão dando sentido a essa história.
     E o avião se acende de novo. 
     Não sem antes o sinistro passageiro atrás de mim soltar mais uma pérola:
__ É. Tá com defeito mesmo!
     Deve ser engenheiro ou algo parecido para dar tal veredito contrário a todas as nossas esperanças.
     Me lembrei daquela fala daquele político:
__ Porque não te calas?
     É o que eu diria, naquela hora, se tivesse voz. Ao homem. Não ao menino.
     O menino, inocente.
     O homem, sádico.
     E o processo se reinicia.
     E eu tremo um pouco na decolagem que me parece mais demorada, mais barulhenta, mais tudo de incomum com as decolagens que já vi na minha vida inteira.
     Mas o avião sobe.  Ah! O milagre de voarmos,  nós,  humanos tão imperfeitos.
     E eu termino meu texto. Respiro leve. Os ombros não mais contraídos.
     Posso até voltar a sentir aquela felicidade bobinha sentida agorinha a pouco quando vi encerrarem o embarque e perguntei para a comissária se tinham mesmo embarcado todos os passageiros e ela confirmou.
     E ri gostoso.
     E comemorei porque estava só eu na minha série de três apertadas poltronas.
     Com as pernocas já saltitantes de se saberem esticadinhas pelas próximas três horas.
     E por ter a certeza de que, desta vez, eu não desembarcaria com pés inchados e com dor na alma.
     Mas não.
     Nem me estico toda.
     Nem ocupo os espaços livres.
     Espaço?  Quem precisa de mais espaço?
     Fico quietinha no meu canto.
     Estamos voando. 
     Isso é o que importa!
P. S.: Sabe o homem? Roncou a viagem inteira!

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