terça-feira, 27 de março de 2018

Linda Nalva

     A Internet tem o melhor da humanidade. Mas, infelizmente,  também tem o pior. Dentre o que ela tem de melhor, os reencontros.
     Na minha família,  eu tenho a fama de ser aquela que procura pessoas, que "desenterra defuntos".  E, dependendo de quem eu encontro, sou elogiada ou criticada. 
     Desta vez, foi o inverso. Eu fui achada. Uma moça chamada Lindinalva entra em contato e me pergunta se eu me lembro dela. Me desculpo, informo que não lembro. Então ela diz: Sou a Nalva. Sou sua madrinha.
     Sim, eu me lembro.Não estabeleci relação de pronto entre Lindinalva e Nalva, mas me lembrei assim que ela falou Nalva. Minha mãe me falava dela. E a elogiava. Descubro, pela conversa que segue, que ambas se gostavam muito. Afeto recíproco.
     E me conta de uma menina que eu fui e que eu não sabia. E me fala de um carinho inédito. Tão bom se sentir amada por alguém. Ela está feliz de saber que estou bem. Está feliz de falar comigo. Me presenteia com palavras mágicas, que me aquecem o coração e que me devolvem um pouco de mim. 
     Claro, eu choro.
     Na medida em que vamos contando uma à outra a vida que vivemos, vou me reencontrando com um passado desconhecido e, o mais emocionante,  com uma versão da minha mãe da qual eu não tinha lembranças.
     E ganho dádivas em forma de textos. Ela me escreve: 
     Meu Deus, há quanto tempo! Você era uma menininha, magrinha e um doce de criança.
     Que bom ler isso!
     E depois:
     Eu tinha adoração por sua mãe, apesar de ter tantos afazeres, estava sempre disposta a me ouvir e me aconselhava muito.
     E depois:
   Quero te ver, te abraçar, recordar um tempo que não volta mais, mas que promove as mesmas emoções; parece que estou te vendo, bem magrinha, alta, cabelinhos encaracolados, meio amarelo, e com uma chupeta enorme na boca, parecia um gatinho quando fica procurando carinho,  você era muito meiguinha. 
     Eu não sabia da chupeta!
     Ah! O tempo! 
     Vou espalhando a notícia. Conto para as minhas irmãs, para os meus filhos.  Rimos, Larissa e eu, da comparação com o gatinho. Ela exclama: 
     Tá tudo explicado, mãe! Você já era carente naquela época!
     Conto a ela do livro que estamos escrevendo com as histórias da e sobre a minha mãe. E penso que as suas memórias seriam um ganho para todos nós e para os leitores. Pergunto se não gostaria de registrar por escrito suas lembranças sobre a minha mãe. Digo que não precisa ser naquela hora, que pode ser depois, mas, para minha surpresa, em seguida, ela me envia essa preciosidade: não apenas explicita seu carinho pela minha mãe, mas reflete belamente sobre a condição das mulheres, numa época em que a elas não era dado o direito nem de existirem:
     Falando da dona Umbelina, na minha visão de hoje, uma pessoa íntegra, sensível e extremamente batalhadora, levando em consideração que os tempos eram difíceis, mas, mesmo assim, era mágica, sabia como lidar com a dificuldade de tudo que a rodeava, as crianças, o marido, a casa, enfim.
Só ela não se cansava, trabalhando muito, acordava muito cedo, por volta das 4 horas da manhã, para ir apanhar algodão, em cima de um trator de bóia fria. As crianças maiores cuidavam das menores. 
E assim era como todas as mulheres da época viviam, elas simplesmente não existiam, não tinham uma roupa nova, bonita, um perfume, ou maquiagem, não iam ao cinema, teatro, show, ou coisa parecida, apenas cuidavam dos filhos, marido e da casa. Ela, porém, tinha sempre uma palavra, um gesto de carinho com todos. Incrível como ela estava sempre muito bem humorada, e disposta, gostava muito de dizer como se deveria ser quando me casasse.
Mas logo vocês se mudaram e perdemos o contato. 
Na época, eu não tinha esta visão; era muito jovem, menina ainda, e muito ingênua, tinha uns 13 anos. Resumindo, sou orgulhosa de ter conhecido uma pessoa tão bacana, tão dedicada, uma guerreira, e muito gente fina. Orgulhem - se de sua mãe!
     Linda Nalva! Gratidão! Nesta manhã de segunda feira chuvosa e de solidão, me conta de uma beleza que eu nem desconfiava que a minha infância tinha tido. E de uma madrinha amorosa. E de uma amorosidade que sobreviveu à distância e ao tempo. Um privilégio!  Como sou abençoada!

Um comentário:

  1. Parabéns, Neusinha. Somente as pessoas abençoadas recebem presentes de tal magnitude.
    Sua infância em nada se difere da minha. Com todas as dificuldades impostas pelas diferenças sociais, nos sobraram o doce das lembranças dos amores infantis.
    Saudades. Suas, do Tito e do Thiago ainda pequeno com seu medo de cães desconhecidos.
    Floriano Vieira

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