Muitas das pessoas da minha geração não dão conta da diversidade de gênero. Seria hipocrisia afirmar o contrário. Nascemos numa época em que, oficialmente, havia homens e mulheres. Os demais, onde estariam? Eram invisíveis. Estavam, provavelmente, em clínicas psiquiátricas, tratando de depressão e afins, ora considerados loucos. Na pior das hipóteses, suicidas.
Sou capaz de conceituar uns seis gêneros apenas. Sabendo que não basta apenas conceituar, saber nomear. É preciso compreender.
E há muito mais.
Em Nova Iorque, em 2016, a Comissão de Direitos Humanos, buscando oficializar a multiplicidade das identidades de gêneros, reconheceu 31 nomenclaturas.
Em 2014, o Facebook expandiu as possibilidades de identificação dos usuários para muito além do par homem/mulher. Agora são 56 opções. Não é fácil, realmente.
Mas não dar conta não precisa, necessariamente, significar ser preconceituosa, ser excludente e cruel.
O pouco que aprendi sobre este universo devo ao contato com pessoas educadas, inteligentes, interessantes, de uma alegria ímpar... e de outros gêneros. Para ser sincera, seres humanos mais evoluídos. Em algumas circunstâncias, ouso dizer, gente bem melhor que nós, os héteros, os "normais".
Esse contato - é preciso conhecer para amar- é muito importante, mas não resolve tudo.
Ainda me pego repetindo palavras, pronunciando expressões que inserem em si preconceito e exclusão, apesar de o meu coração não compactuar com o que está posto nos seus sentidos, mesmo os mais sutis.
Com relação a outro tipo de preconceito, quando reflito sobre essas questões, lembro-me da minha mãe, referindo-se à sua vizinha, dizer:
__ Dona Francisca é uma preta de alma branca! Minha mãe amava a Dona Francisca, eu não tenho nenhuma dúvida. Eram amigas de uma vida inteira. Plantavam e colhiam, juntas, o que produziam nos quintais, enfrentavam as tarefas mais pesadas, enfim, compartilhavam as agruras e as esperanças de serem mulheres pobres, mães de muitos filhos no interior de São Paulo, há muito, muito tempo.
Mas ela não era capaz de perceber que a sua afirmação era preconceituosa. Que o seu dizer significava que Dona Francisca tinha que ter algo branco para ser aceita, nem que fosse a alma. Ela, simplesmente não sabia disso. Na verdade, dizer aquelas palavras era, para ela, elogiar a amiga.
Temos que reconhecer que alguns valores se enraízam em nós ao longo do nosso processo educacional. Que irmos nos civilizando tem sido, ao longo do tempo, ir aprendendo a classificar, a separar, a distinguir e a excluir. E que tudo isso perpassa a linguagem.
Mas percebo e me compadeço e sou solidária com as dores dessas pessoas, com as limitações que encaram todos os dias para, apenas, ser e viver. Me revolto, sofro com as muitas histórias que já ouvi de violência física, nas ruas, e de violência psicológica dentro das casas. Ou ao contrário. Ou ambas em ambos os espaços.
É a velha história: empatia. Basta nos colocarmos no lugar do outro.
Fiz isso por amorosidade. Porque aprendi, com minha filha, a respeitar e a valorizar os seus amigos não héteros, que se tornaram meus amigos também. Senti no corpo e na alma, o absurdo da opressão, por exemplo, quando me imaginei recebendo um presente da pessoa que eu amo e que me ama e não podendo levar para casa por conta do embaraço, das explicações a serem dadas ao pai, à mãe, aos irmãos. Terrível. Receber e ficar com, e usar um presente é básico. É essencial. Deveria estar na lista das necessidades primeiras do ser humano como alimentação, vestuário...
E este se torna um fato banal se o confrontamos com a barbárie estampada na mídia, todos os dias, em todos os lugares.
Na programação cultural desta minha estadia em SP, a última foi ir à Parada Gay.
Vi um universo colorido. Vi alegria. O que mais vi foram pessoas felizes como deveriam ser em outros tempos e em outros espaços. Vi gente que ama cada um à sua maneira, de acordo com a sua condição. Não posso omitir que também vi excessos, como ocorre em quaisquer aglomerações.
Achei graça de um comentário que ouvi:
__ Gente, tem muito hétero aqui!
É verdade! Uma mistura. Muita gente caminhando, dançando e cantando atrás dos trios. Mas também muita gente observando. Seriam os héteros observando os demais gêneros. Esperando ver o exótico? Eu mesma me lembro de ter comentado:
__ Ah! Eu vou! Não tenho um evento desses no meu currículo! Seria um preconceito velado?
De fato, é um mar de gente vestida a caráter, maquiagem e vestuário extravagantes que, para quem não tem convívio diário, causa estranhamento. E é fato que não são roupas usadas no cotidiano. É uma festa! Um dia especial.
Mas tudo isso é embalagem. É externo.
Na verdade, o que vi, de fato, são pessoas que querem o mesmo que todos nós queremos: viver!
Viver em paz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário