Há 41 anos, em 1976, eu estava na oitava série. Era uma menina como todas as outras: crua de vida.
Não havia, pelo menos no meu universo, o feminismo, ou discursos feministas. Lei Maria da Penha então, nem em sonhos! Não havia mulheres abusadas por seus parceiros, agredidas, violentadas.
Essas mulheres, com toda certeza, existiam. Mas eram invisíveis. Para mim e penso que para a maioria. A violência era velada, acobertada, covardemente impune.
Elas se casavam ouvindo das mães que casamento era pra vida inteira. Que separação era uma vergonha. Que deviam servir a seus maridos e serem obedientes.
Minha mãe nos contava das dificuldades com o meu pai e quando a inquiríamos sobre o porquê de não ter se separado, ela dizia que, naquele tempo, mulher separada era tida como prostituta. Era a sua razão. Poderíamos nos questionar sobre seus valores.
O que sei é que me peguei, ao longo da vida, agradecendo a Deus por não ter cruzado com homens agressores. Nunca, na minha vida, estive próxima de qualquer intimidação masculina.
Também sempre imaginei que, se isso tivesse me acontecido, eu já estaria morta. Sei que reagiria. Sei que o enfrentaria. Sou brava! Tenho um instinto de preservação imenso. Acho que não sucumbiria sem reação.
Acho.
Mas, só saberíamos, de fato, como reagiríamos a uma situação, se a vivenciássemos .
Hoje, assistindo ao quadro "Segredos de justiça" no Fantástico, sobre um caso de violência doméstica, me veio à mente dona Jaci, minha professora de Ciências no colegial.
Lembrei-me do modo como ela nos chocava a todas e a todos quando, no meio da aula, interrompia uma atividade ou uma explicação para nos orientar para a vida e, com o dedo em riste, olhando para nós - as meninas, fixamente, determinava:
__Se um homem, um dia, levantar a mão para vocês, matem! É a única forma que vocês têm de garantir que ele nunca mais vai erguer a mão de novo pra vocês!
Repito: era chocante!
Ela era uma mulher grandona. Descendente de japoneses, mas grandona e rechonchuda, no seu jaleco branco, com seus cabelos negros, curtinhos.
Eu nunca esqueci dona Jaci.
E a ouvi repetir esse mantra, várias vezes, ao longo da minha vida. Todas as vezes em que ouvi histórias de violência.
Teria sido ela própria uma vítima?
Não é possível saber.
O fato, como disse, é que não fui posta em nenhuma situação em que pudesse pôr à prova a eficiência do seu ensinamento.
O que constatei, finalmente, é que vim sentindo uma certa gratidão pela dona Jaci, nesses anos todos. Sem perceber.
Hoje, essa gratidão aflorou um pouco mais.
Pelo alerta:
Se um homem, um dia...
Será que algumas das suas alunas precisaram utilizar seus ensinamentos. Será que os utilizaram ?
Seria uma pena. Não se pode combater violência com mais violência e acreditar que esta seria uma solução.
É Lamentável. E triste.
Para todos nós, homens e mulheres.
Para todos os homens que ainda não transcenderam aos enganos das relações e que concebem suas parceiras como seres menores, inferiores, propriedades suas.
Até quando?
Professora querida, como sempre seus textos são maravilhosos!! Saudades
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