segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O sentido do alimento



Foram necessários cinquenta longos anos de vida para que eu pudesse, finalmente, compreender o sentido do alimento na minha vida e na vida dos meus amados. Sentidos que eu, com meus gestos e atitudes, ajudei a se consolidarem.
Descobri, tardiamente, mas ainda em tempo, que o alimento cumpre a função de preservar a vida que habita nossos corpos; apenas isso. Não pode e não deve ser tomado como possibilidade de reserva para o futuro que, principalmente na minha infância, era sempre um futuro incerto com relação às certezas, ou melhor, às dúvidas sobre se teríamos o que comer no dia seguinte e nos dias que viriam.
Lembro-me de gestos e de atitudes que foram consequências dessa relação de carência que vivi. Só agora me dou conta, por exemplo, do absurdo que era eu, com meus filhos pequenos, comer as sobras das suas papinhas, sem a menor necessidade, mesmo sem estar com fome. Olho para a mãe que eu fui e me vejo, sempre, esvaziando seus pratinhos, antes de pô-los na pia. A comida não podia sobrar.
Com os meus pratos acontecia o mesmo: eu nunca deixava sobras. A ideia de que a comida era rara, escassa, sagrada e difícil de ser conseguida sobreviveu em mim, mesmo em dias de fartura e da concreta e completa impossibilidade da sua falta. Só muito mais velha é que me permiti deixar comida no prato.
Hoje, quando evito deixar é muito mais porque me preocupa o desperdício e a fome no mundo que o medo de que ela me falte amanhã.
Sei que essa dificuldade não terá sido só minha. Olho o mundo e vejo que somos seres estranhos com relação ao alimento: dividimo-nos em um grupo que está obeso e um grupo que vivencia a inanição diária. Onde erramos?
Há, então, além de uma compreensão maior dos significados e dos sentidos que o alimento teve na minha vida, muita culpa.
Culpa em relação a mim mesma, por estar sempre com sobrepeso, fazendo do alimento o caminho para a satisfação de todos os outros desejos. Apenas muito recentemente aprendi que, se eu estou triste, um caminho é chorar, se eu estou alegre, o melhor caminho é sorrir e celebrar, e que só quando eu estiver com fome é que o caminho será comer. 
Culpo-me, também, por ter contribuído com a internalização, em um dos meus filhos, principalmente, do medo da fome. Um dia, para minha surpresa, ele me contou que, em algum momento da vida, teve medo de passar fome. E hoje, este meu lindo, doce e querido filho luta contra a obesidade.
Eu daria alguns dedinhos meus para voltar e refazer o trajeto. Para construir nele a certeza de que ele nunca passará fome na vida. Sei que essa certeza consciente ele tem; mas, lá no fundo, será que ainda persiste esse medo primário?
Sei que esses processos não são de nosso domínio completo; são, na maioria das vezes, inconscientes, e demoramos muito para nos darmos conta de que eles nos habitam e nos governam. Para o bem e para o mal.
Concebo este texto, então, como um pedido de perdão a ele, com a esperança de que o liberte dos sentidos inconscientes do alimento na sua vida.
Concebo-o, também, como um desejo de que as pessoas que enfrentam esses dramas consigam enfrentar a tarefa árdua que é o processo de reeducação alimentar, a atividade física e a reconstrução da relação com o alimento e, enfim, com o mundo.
E que a aprendizagem lhes possibilite a compreensão de que o nosso corpo é a morada da nossa alma e que, por isso, é sagrado. Merece a nossa total amorosidade. Merece muito cuidado e muita compaixão. Merece nossa temperança, a virtude que nos ensina a medida de tudo. 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Despedidas

Se me pedissem para escolher o que é que eu gostaria que desaparecesse da face da terra, das nossas rotinas, das nossas lembranças, sem sombra de dúvidas, eu responderia: as despedidas.
Elas são o que há de mais dolorido, o que há de mais tirano: ver o outro, a outra, aqueles a quem amamos partirem, sem podermos impedir, sem podermos parar o tempo.
Ter que adentrar numa sala de embarque, subir num ônibus que ameaça partir, vendo olhos de dor e de tristeza a nos acompanharem até desaparecermos é terrível.
Escrevi na minha tese um agradecimento que exemplifica bem meu sentimento em relação às despedidas: Ao meu caçula Lucas, cuja imagem na despedida para o segundo estágio insiste em permanecer na minha mente e no meu coração e representa, com certeza, os custos emocionais desse doutoramento − olhos perplexos e impotentes, lagrimonas grossas ferindo o rosto, lábios e queixo trêmulos.
Um trem sumindo à distância, uma plataforma de embarque em qualquer rodoviária, aquela voz que avisa que é a última chamada para o voo que se deseja nunca ver iniciado são tudo o que eu gostaria de não ver acontecer comigo nem com ninguém.
Então, carrego comigo o sonho utópico de que as pessoas que se amam não se separem jamais.
Já viajei por horas sem fim, dentro de um ônibus, chorando de soluçar, sem a menor vergonha. Os olhares à minha volta pareciam se perguntar o porquê, lá no fundo, sabido por todos.
Não lamento apenas a minha dor. Lamento todas as dores de todas as despedidas.
Se eu estou saindo para uma viagem curta e se estou um pouco mais em paz, consigo observar as pessoas à minha volta se despedirem. Vejo e entendo profundamente os seus gestos mais discretos: os choros, os adiamentos para entrarem nos ônibus, para adentrarem nas salas de embarque: param na porta, olham pra trás, voltam para mais um abraço, mais um beijo.
Choramos numa despedida por não sabermos quando é que veremos as pessoas que vão ficando pequenas na medida em que nos afastamos.
A verdade é que nunca se sabe quando, mesmo quem planejou dia, hora, mês e já marcou até passagem de volta. A volta é sempre uma incógnita, é sempre uma (im) possibilidade. Por isso sonhada, desejada, planejada. Talvez, por isso, digam que o melhor da viagem é a volta.
Choramos numa despedida por querermos ficar um pouco mais com nossos filhos, nossos pais, nossos amigos, nossos amores.
Choramos numa despedida porque sabemos que vai doer viver, que o tempo não vai passar ou vai passar tão lentamente que teremos a sensação de que deixamos de viver no momento da partida.
              Um amigo caro uma vez me disse que saudade não é a tristeza por alguém ausente, é a dor de alguém presente. Dói porque nós não deixamos as pessoas, nós a levamos conosco, dentro de nós. Se as deixássemos, se conseguíssemos deixá-las, não seriam importantes, não doeria.
               Sinto saudades.
               I miss you.
              Te estoy echando de menos.
Carreguei, ao longo de tantas despedidas horrorosas que a vida me deu, um grande número de pessoas. E como elas doeram!
Carreguei meu pai, minha mãe e meus irmãos na vinda para Rondônia. Bagagem pesada!
Carreguei-os, muitas outras vezes, nas voltas e voltas.
Foi assim com meu pai, na última vez que o vi, sem saber que era a última.
Tem sido assim com os meus amados, a cada viagem.
Fico com medo de não voltar, de não poder dizer de novo e de novo o quanto os amo, o quanto são especiais para mim. Por isso, tenho tentado me policiar para não sair de casa brigando com eles. Nesses momentos, paro e lhes desejo o melhor.
Frequentemente, quando vou viajar à noite e deixo os meus pequenos dormindo, faço-lhes um cafuné e digo-lhes baixinho no ouvido: Vocês são criaturas maravilhosas de Deus. Há um futuro brilhante a sua espera. Vocês crescerão saudáveis, felizes e serão sempre amados.
É o meu jeito de dizer que tenho medo dos imprevistos.
Que tenho medo de não voltar, de não vê-los novamente. Que não sei o que me está reservado amanhã. Que não tenho o poder de decidir sobre a vida e sobre a morte. Que não estou certa de merecer oxigênio para mais um dia.
Mesmo sabendo que tenho tentado justificar minha presença no mundo, todos os dias.
Será assim.
E doerá.
Sempre.    

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

É do tempo do Ronca!!!

Um dos dramas das mulheres da classe média, quando se casam, tem a ver com a inevitável comparação dos seus dotes culinários com os da sua sogra, e elas, as mulheres, perdem sempre, é claro, nessa comparação.
No meu caso, a vida foi me obrigando a me transformar numa cozinheira melhor, mas, quando me casei, sabia pouco dessa arte, pois tinha tido uma infância na qual os alimentos eram raros e sem diversidade.
Quando a questão da alimentação é crítica, não há como educar na arte da culinária – o desafio é buscar garantir que haja algo na mesa hoje, amanhã e depois de amanhã e depois e depois, um dia de cada vez. Deste modo, não há espaço para a dimensão lúdica do alimento. Em outras palavras, na minha infância, comida não era brincadeira.
Imagino que era muito difícil para a minha mãe, na verdade, era impossível tentar nos ensinar algo relativo à culinária, afinal, para ensinar alguém a cozinhar, há que haver alimentos, e alimentos em abundância, para o caso de os aprendizes estragarem algumas receitas. Não era a nossa situação, na minha infância.
Então, padeci muito quando me casei, com minha pouca ou nenhuma habilidade com as panelas.
Numa das vezes, no Natal, meu marido comentou à mesa, rodeado praticamente pela família inteira que, diga-se de passagem, é constituída por muitas mulheres e mulheres que são excelentes cozinheiras,  o quanto estava com saudade do feijão da D. Alice. Eu, boba demais, chorei até me acabar.
Quem me salvou foi a Maruza, minha cunhada, já com as marcas da liberação feminina, quando me disse:
__ Neusa, ele se casou com você. Vai comer o feijão que você fizer!
Nessas idas e vindas, ouvi, ao longo de muitos anos, o Tito exaltar um dos doces que a mãe fazia.
Num outro final de ano, a família reunida novamente, e eu, munida de boa vontade, decidida a aprender o passo a passo daquele doce, com a intenção de que o faria, da melhor maneira possível, quando voltasse para casa.
Ao perguntar para minha sogra sobre o doce, indicando meu desejo de aprender a fazê-lo e de fazê-lo no capricho, ela me respondeu:
__ Ah! Minha filha! Isso é do tempo do Ronca! Há muitos anos eu deixei de fazer. Agora, eu compro pronto.
Minha querida D. Alice, me dando lições de modernidade, a mim, que me julgo tão moderna!
Meu filho Lucas, em outros tempos, me diria:
__ Toma-lhe! Toma-lhe! Toma-lhe!


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Minha última conversa com minha mãe

Eu demorei muito a ousar escrever este texto. Aguardava me sentir preparada para contar a vocês esta história que algumas poucas pessoas já conhecem, dentre as quais: minhas colegas de trabalho Marli Zibetti e Iracema Gabler, meu amigo e orientando de mestrado Locimar Massalai, minhas irmãs, cunhadas e sobrinhas, algumas queridas amigas - ex- alunas do curso de Letras - numa conversa boa, no aeroporto de Brasília, chorando juntas.
Também aguardava uma compreensão melhor do vivido.
Não me sinto preparada ainda, mas penso que não me sentirei nunca. Por isso conto-a agora.
Conto-a porque penso que é uma bela história, porque acredito que ela poderá inspirar pessoas a dizerem o que sentem, enquanto há tempo e porque sou grata a Deus por ter me permitido experienciar aquela conversa, naquele tempo e naquele espaço.
Também porque a sua ocorrência permanece um mistério: me pego, às vezes, me perguntando o porquê; sei que, na minha incompletude e na minha imperfeição,  não era merecedora de tamanha dádiva, de tamanho milagre. Por que Deus me deu este presente?
Minha mãe estava se perdendo de si, minha irmã caçula me alertou. Havia falado com ela, por telefone, no domingo, dia 21 de julho de 2013, e ela, minha mãe, aos 89 anos de idade, não a reconhecera.
Na segunda-feira, de manhã, liguei.
Ela me atendeu. Em princípio, uma voz muito fraca:
__ Alô? Mãe?
__ Oi, minha filha?
__ Como é que a senhora está?
__ Não estou bem não, minha filha. O remédio para o inchaço não está mais fazendo efeito. Acho que eu estou findando.
Dizer o quê?
Quando vi, sem saber como ou por qual razão, eu me peguei lhe dizendo as seguintes palavras:
__ Mãe, nosso corpo tem validade. Vai, aos poucos, falindo. É possível que eu, aos 50 anos de idade, morra antes que a senhora, mas o mais provável é o contrário. Veja a vida difícil que a senhora levou.
Minha mãe pariu quinze filhos em casa, de parto normal; trabalhou na roça uma vida inteira; cozinhou em fogão à lenha; passou roupas com ferro em brasa; lavrou a terra, plantou, colheu e cozeu os alimentos uma vida inteira.
Vida dura.
Lembro-me dela me contando que, em algumas ocasiões, tinha apenas um vestido; então, molhava-se com a chuva na roça e, chegando em casa, secava o vestido, à beira do fogão de lenha.
Lembro-me dessa dentre tantas outras histórias que ainda escreverei sobre ela. Quero registrar para não me esquecer, para os filhos dos meus filhos saberem quem são e de onde vêm.
E continuei:
__ Mãe, não há muito que possa ser feito. Mas a senhora pode olhar o passado com gratidão; olhar para os acertos e se gratificar, olhar para os erros e se perdoar por eles, dizer o que ainda pode e deve ser dito.
E continuei:
__ De minha parte, peço perdão pela filha que eu não pude ser para a senhora e a perdoo também pela mãe que a senhora não pôde ser para mim.
E ela:
__ Eu também te perdoo, minha filha.
__ Eu te amo, mãe.
__ Eu te amo, minha filha.
Choramos.
E então, a voz que eu passei a ouvir não era mais a voz de uma senhora doente; era a voz daquela mulherona que ela foi, forte, trabalhadora, em atividade constante. Era a voz que eu ouvi uma vida inteira, na sua inteireza.
A partir daí, ela foi nomeando, um a um, todos da família que vivem em Rondônia e enviando bênçãos, sem esquecer nenhum nome.
Disse:
__ Eu ainda vou ver as minhas filhas entrando felizes na minha casa.
E eu:
__ Vai sim, mãe, vai sim.
Reclamou de um dos filhos, que há muito vinha lhe dizendo “palavras duras”. Contou que fazia de conta que não era com ela.
E disse:
__ Eu queria ouvir suas palavras. Eu sei, eu conheço as suas palavras, minha filha.
E nos despedimos.
Na terça-feira, pela manhã, houve reunião do meu departamento, na universidade, e eu pedi adiantamento das minhas férias.
Na terça-feira, à noite, eu comprei uma passagem para Lins.
Na quarta-feira pela manhã, minha mãe faleceu.
Só então me dei conta de que nós tínhamos, de fato, nos despedido.
Soube depois que ela comentara com um dos meus irmãos:
__ Neusa falou comigo se despedindo! Ela tá pensando que eu vou morrer! Eu não vou morrer não!
Choro ainda agora, ao escrever este texto. Chorarei muitas vezes, agradecendo a Deus pela oportunidade rara, questionando o porquê daquela conversa e aquietando meu coração para o fato de que nem sempre temos as respostas e que não são elas as mais importantes nesses momentos.
A minha última conversa com minha mãe permanece um mistério para mim. Mas está tudo certo.
Dedico este texto a todos os meus irmãos, a toda a família, entendendo que fui apenas um instrumento para que ela se despedisse de todos nós.

Graças.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Seres especiais

Todos os seres humanos são seres únicos. E, por isso, especiais. 
Há algo de singular, de idiossincrático em cada um de nós.
Nossa dificuldade é perceber, é reconhecer este quê que nos torna diferentes de todos, na igualdade, principalmente porque tentamos, mesmo dizendo que não, nos igualar, nos identificar, pertencer a uma tribo, ser parte de um grupo e sabemos que um pensamento, uma roupa, um cabelo e/ou um gesto destoante podem nos excluir.
Mas há pessoas mais especiais, mais únicas.
Por alguma razão, elas se destacam no seu jeito de estar no mundo, de conviverem e de serem. E não falo de atitudes revolucionárias, de ações que modificam ou modificariam os rumos da humanidade, nada grandioso assim.
Falo de um jeito de ser que passaria despercebido no cotidiano, se nós não olhássemos com mais atenção e com amorosidade para essas pessoas; se nós não a olhássemos com olhos de ver. É um tom de voz, um gesto, uma doçura, uma reação, um olhar ou mesmo um silenciamento o que as diferenciam. Uma certa superioridade que não se sabe superior, que nem quer ser assim.
São pessoas que nos marcam. Que, mesmo sem uma convivência diária, apreendem a nossa atenção e despertam o nosso carinho. E nós não nos esquecemos delas.
Na verdade, penso que, no meu caso, nutro um certo desejo de que eu pudesse ser ou ter sido como elas são. Sou tão permeável, tão sujeita aos ventos e às tormentas que me afetam e que me marcam ad eternum.
Às vezes, lamento tanto o fato de eu ser como os elefantes: não esquecer nunca. Há vantagens em ser assim, eu as reconheço: sou uma pessoa grata, sou incapaz de esquecer o bem que me fizeram e que me fazem, mas, para o mal, sou igualzinha, o que é péssimo, pois sou condenada a ser uma pessoa magoada. Sempre haverá alguém a nos ferir.
Assim, reconhecendo minha imperfeição, rendo-me e rendo graças a estes seres.
Ao longo da minha vida, tive o privilégio de conhecer, de conviver e de ser muito ajudada por esses seres ímpares. Pessoas muito especiais cruzaram o meu caminho e sou grata a Deus por isso. Já tive oportunidade de escrever sobre algumas delas e ainda vou escrever sobre tantas outras.
Dentre elas, há uma menina cuja doçura me encanta. Uma doçura que nem o tempo nem as dores causadas pelas perdas ao longo da vida foram capazes de erradicar. Ela é doce.
Sempre que penso nela, sinto uma paz profunda, uma amorosidade de mãe, uma admiração por ela ser do jeitinho que ela é. Única.
A primeira vez que a vi, ela estava na varanda da cozinha da sua casa, com um giz e uma lousa, mostrando, muito feliz, as primeiras letras que conseguia escrever e entender. Estava sendo alfabetizada.
Depois, com o passar do tempo, pude reencontrá-la, em diversas ocasiões, não tantas quanto as que eu gostaria.
E era sempre a mesma sensação. A fase da vida em que ela estava não a modificava. Mesmo vivenciando algumas agruras que adoeceria, que feriria e que endureceria a maioria de nós, simples mortais, ela sobreviveu impávida, altiva. E permaneceu doce, capaz de amar e de agregar novos amores à sua vida.
Por isso, meu respeito, meu reconhecimento e meu carinho a você, Francine, minha sobrinha, que amo como filha. Que Deus a abençoe sempre e que você siga, pela vida a fora, sendo do jeitinho que você é.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Estados de graça

Estamos em estados de graça quando transcendemos, quando perdemos a noção de tempo e de espaço e ficamos em suspensão. Com uma sensação de plenitude, de extrema calmaria, acompanhada de uma felicidade ímpar, gratuita, genuína.
Não é fácil vivenciar estes estados com frequência.  Às vezes, é difícil até de perceber que eles ocorrem. Uma forma de propiciar nossa percepção dos mesmos é buscarmos fortalecer a intuição, criarmos momentos de silenciamento, de introspecção e de meditação; às vezes, porém, não é necessário nada disso: nós, simplesmente, os sentimos.
Penso que o avanço da idade nos ajuda a reconhecê-los e a vivenciá-los mais plenamente. Pelo menos comigo tem sido assim.
Os mais plenos estados de graça que tenho tido a felicidade de vivenciar ultimamente têm vindo da minha neta Letícia que, com seus onze meses de idade, fazendo tudo o que uma criança nessa fase faz – e que a gente, bobamente, acha que é só aquela criança que amamos é que faz –  me toma por completo.
Cada vez que a vejo, ganho alguns anos de vida extra.
Quando canto para ela, embalando-a na rede: Carinhoso, de Pixinguinha:
“Meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê...”
Ou Ana e o mar, do Teatro Mágico:
“Ana e o mar, mar e Ana
Histórias que nos contam na cama
Antes da gente dormir...”
Ou Andança, de Paulinho Tapajós:
“Olha a lua mansa a se derramar
(me leva amor)
Ao luar descansa meu caminhar
(amor)
Seu olhar em festa se fez feliz...”
Também quando engatinho com ela. Também quando, no banho, perco a noção do tempo, vendo-a bater as mãozinhas na água, molhando todo o espaço em volta. E quando faz bico e quando fala tetetetete, mamamama, e quando abre os braços em minha direção e quando ri e quando....
As dores na coluna desaparecem como por encanto. As dívidas evaporam. Todos os problemas se vão. Pena que voltam, as dores, as dívidas e os problemas, quando ela se vai.
Ao longo da vida, outros estados de graça me acompanharam: sempre, ver meus filhos voltando pra casa me enche de graça, especialmente, quando voltam à noite e vejo que sobreviveram, mais uma vez, à selva de pedra. Até já escrevi sobre isso em outro texto.
E em tantos outros momentos.
Quando vejo o mar, fico em completo estado de graça.
Quando faço uma comida que sei que meus amados gostam e os surpreendo, como ao fazer uma feijoada ou um yakissoba numa segunda ou terça-feira e vê-los chegarem e se espantarem e aquele espanto ser puro prazer. Mesmo quando, no cardápio do dia a dia faço um dos seus pratos preferidos: asinha de frango bem frita para o Thiago; carne assada ou frita para o Lucas; couve refogada para a Larissa. Suas reações são sempre bênçãos. E eu fico em estado de graça.
Quais as situações em que vocês ficam em estado de graça? Cultivem-nas. Estimulem-nas para que ocorram, sempre.
Neste meu primeiro texto de 2014, desejo a todos os leitores deste blog que vivam muitos estados de graça, que os reconheçam e que os fruam plenamente.
Um Fenomenal 2014 a todos.