Já vai ficando pra trás o tempo em que
convivíamos com pessoas fissuradas nas doenças: seus sintomas, seus riscos, sua
possibilidade de cura, os avanços da medicina etc. e que tinham como recursos
para saciar sua sede, apenas as bulas, os farmacêuticos, um médico mais
próximo, uma enfermeira com a qual tivesse feito amizade na última internação e
as revistas especializadas − os chamados hipocondríacos.
Todo hipocondríaco que se preze, é
capaz de sentir os sintomas de uma dada doença, só de ouvir os relatos sobre a
mesma. Também é capaz de administrar remédios com propriedade. Se você perguntar
a ele se conhece um remédio para tal doença, ele lhe dirá o nome de dez, pelo
menos, com informações completas sobre o preço, as reações adversas, a
composição e o modo de ingestão, dentre outros.
Hoje, com o desenvolvimento tecnológico
que possibilitou esta rede chamada Internet, vimos surgir uma nova tribo: os
cybercondríacos. São exatamente iguais aos hipocondríacos, com uma única
distinção: não precisam mais ficar horas em farmácias, conversando com
balconistas e farmacêuticos; suas informações são cooptadas na Internet, com
muito mais fidelidade e autenticidade.
Eles são, atualmente, o terror dos
médicos. Especialmente daqueles que se sentiam os donos do saber, com
superpoderes sobre a vida e a morte de seus pacientes.
Devo confessar que eu fazia parte do
grupo dos hipocondríacos desde sempre.
Mas só descobri que havia me
transformado numa cybercondríaca alertada por uma amiga que é professora do
curso de Medicina e que me mostrou uma reportagem na revista Época − cujo
título por si só já nos denuncia: Doutor Google − sobre esta nova maneira de
ter mania de doença.
Um cybercondríaco vai ao médico apenas
para confirmar o que ele já sabe. Para ter certeza de que está, de fato,
tomando a melhor medicação para o caso, e nas doses apropriadas.
Vivi duas cenas que mostram como os
médicos têm lidado com a questão.
Desconfiada de que uma certa
vermelhidão na perna fosse sintoma de uma erisipela, fui buscar na rede todas
as informações disponíveis sobre a doença.
Pra ser fiel à minha hipocondria, já
fui me medicando logo.
Quando cheguei à consulta e disse à
dermatologista que achava que estava com erisipela porque os sintomas...
As reticências acima servem para
indicar o que, de fato, aconteceu. Ela me interrompeu, dizendo que não
precisava que paciente seu viesse ao consultório lhe explicar o que era
erisipela. Surpresa com a insegurança da médica, eu lhe disse que não queria
ensinar nada não, que aquela era apenas uma introdução para a minha fala.
Claro que a reação da médica mostrou
mais dela do que ela própria poderia supor.
Decidi, então, consultar uma outra
dermatologista.
Esta, ao ouvir o meu diagnóstico,
educada e gentil, me perguntou o que é que eu sabia sobre a erisipela. Ao ouvir
meu relato sobre a doença, mostrando-se satisfeita, disse que eu, então, sabia
da seriedade da doença, examinou o local, reviu dados de consultas anteriores
minhas e passou a me orientar sobre o que fazer, a partir das informações que
eu dei sobre o que já tinha ingerido de medicação.
O interessante é observar as duas
reações, opostas.
E achar graça de uma classe que se vê
obrigada a repensar o seu papel de detentor de um saber que agora, graças à
Internet, passa a ser acessado por milhares de pessoas.
Claro que nunca teremos o saber teórico,
técnico e prático dos médicos e isso é bom. Mas poder ter acesso a informações
especializadas que nos confortem, que nos esclareçam e que até nos alertem para
um possível erro de diagnóstico é ótimo.
Santa Internet!
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