sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Cybercondríacos

     Já vai ficando pra trás o tempo em que convivíamos com pessoas fissuradas nas doenças: seus sintomas, seus riscos, sua possibilidade de cura, os avanços da medicina etc. e que tinham como recursos para saciar sua sede, apenas as bulas, os farmacêuticos, um médico mais próximo, uma enfermeira com a qual tivesse feito amizade na última internação e as revistas especializadas − os chamados hipocondríacos.
     Todo hipocondríaco que se preze, é capaz de sentir os sintomas de uma dada doença, só de ouvir os relatos sobre a mesma. Também é capaz de administrar remédios com propriedade. Se você perguntar a ele se conhece um remédio para tal doença, ele lhe dirá o nome de dez, pelo menos, com informações completas sobre o preço, as reações adversas, a composição e o modo de ingestão, dentre outros.
     Hoje, com o desenvolvimento tecnológico que possibilitou esta rede chamada Internet, vimos surgir uma nova tribo: os cybercondríacos. São exatamente iguais aos hipocondríacos, com uma única distinção: não precisam mais ficar horas em farmácias, conversando com balconistas e farmacêuticos; suas informações são cooptadas na Internet, com muito mais fidelidade e autenticidade.
     Eles são, atualmente, o terror dos médicos. Especialmente daqueles que se sentiam os donos do saber, com superpoderes sobre a vida e a morte de seus pacientes.
     Devo confessar que eu fazia parte do grupo dos hipocondríacos desde sempre.
     Mas só descobri que havia me transformado numa cybercondríaca alertada por uma amiga que é professora do curso de Medicina e que me mostrou uma reportagem na revista Época − cujo título por si só já nos denuncia: Doutor Google − sobre esta nova maneira de ter mania de doença.
     Um cybercondríaco vai ao médico apenas para confirmar o que ele já sabe. Para ter certeza de que está, de fato, tomando a melhor medicação para o caso, e nas doses apropriadas.
     Vivi duas cenas que mostram como os médicos têm lidado com a questão.
     Desconfiada de que uma certa vermelhidão na perna fosse sintoma de uma erisipela, fui buscar na rede todas as informações disponíveis sobre a doença.
     Pra ser fiel à minha hipocondria, já fui me medicando logo.
     Quando cheguei à consulta e disse à dermatologista que achava que estava com erisipela porque os sintomas...
     As reticências acima servem para indicar o que, de fato, aconteceu. Ela me interrompeu, dizendo que não precisava que paciente seu viesse ao consultório lhe explicar o que era erisipela. Surpresa com a insegurança da médica, eu lhe disse que não queria ensinar nada não, que aquela era apenas uma introdução para a minha fala.
     Claro que a reação da médica mostrou mais dela do que ela própria poderia supor.
     Decidi, então, consultar uma outra dermatologista.
     Esta, ao ouvir o meu diagnóstico, educada e gentil, me perguntou o que é que eu sabia sobre a erisipela. Ao ouvir meu relato sobre a doença, mostrando-se satisfeita, disse que eu, então, sabia da seriedade da doença, examinou o local, reviu dados de consultas anteriores minhas e passou a me orientar sobre o que fazer, a partir das informações que eu dei sobre o que já tinha ingerido de medicação.
     O interessante é observar as duas reações, opostas.
     E achar graça de uma classe que se vê obrigada a repensar o seu papel de detentor de um saber que agora, graças à Internet, passa a ser acessado por milhares de pessoas.
     Claro que nunca teremos o saber teórico, técnico e prático dos médicos e isso é bom. Mas poder ter acesso a informações especializadas que nos confortem, que nos esclareçam e que até nos alertem para um possível erro de diagnóstico é ótimo.
     Santa Internet!  

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