sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O pé de jambo

Em janeiro, chove o dia inteiro no norte do Brasil.

Chove todo dia.

Mas o ar continua quente.

Quente e úmido.

O rapaz caminha pela rua encharcada.

Seus passos sabem por onde seguir.

Ele sabe para onde vai.

O bairro, na cidade de Porto Velho, em Rondônia, mudou muito.

Há trinta anos, eram as últimas casas e depois, a floresta amazônica.

Agora, há outros bairros, muitas outras casas obrigando a floresta a recuar.

De longe, avista um velho amigo.

Que bom que ele resistiu ao progresso.


Ouvindo uma voz em especial, dentre outras que se sobrepõem, ela a reconhece e se amedronta, se desespera.

O menino está na ponta do jambeiro que, carregado, oferece seus frutos à molecada ávida da rua.

Ele colhe os frutos e os joga para os amigos que aguardam, do chão, olhando para o alto e dando orientações sobre a localização dos maiores, dos mais maduros.

__ João, desce daí!

__ Eu já te disse que é perigoso!

__ Já te pedi para não subir e para não subir tão alto!

Ele desce, contrariado. Caminham juntos, de volta para casa.

A mãe, má, sem refletir, insiste em continuar a reprimenda.

__ Você não vê que corre riscos. Não é justo. Esses seus amigos gordinhos não agüentam subir no pé de jambo e se aproveitam que você é magrinho e ágil.

Aquela fala da mãe fere sua alma. Fere seu corpo muito mais que qualquer queda do jambeiro feriria.

As lágrimas, grossas, descem pelas bochechas, em turbilhões, na proporção da sua indignação.

__ Você não pode falar assim deles. São meus amigos e eu gosto deles. E eles não têm culpa de serem gordos.

__ Eu não subo no pé de jambo por obrigação. Eu gosto de catar jambo para eles.

A mãe recua, sabe que está errada. Que foi dura, preconceituosa e má.

No ímpeto de proteger o filho da altura do jambeiro, extrapolou e o magoou.

__ Me desculpe! Me perdoe! Você está certo! Eu não tenho o direito de falar assim deles.

__ É que eu morro de medo de você cair lá de cima!


Olhando o jambeiro florido, ainda pode ouvir todas aquelas vozes. Ainda vislumbra aquela cena. Ainda sente o sabor dos melhores jambos que comeu na vida.

Lembra-se dos meninos. Um a um. Do Cecil, do Vinícius, do Luti...

Onde estarão todos eles?

Lembra-se do Ronaldo, o mais velho dentre a molecada da rua, que morava na casa em frente ao pé de jambo e que organizava as brincadeiras.

Saudades!

Foi-se, jovem ainda, numa estúpida imprudência, voltando de uma pescaria, pela estrada já super trafegada por conta da construção das usinas do rio Madeira.

A casa está igual. Apenas com as marcas do tempo.

Será que os pais dele ainda moram lá?

Caminha um pouco mais.

Toca a campainha.

__ Que bom que você chegou!

__ Que saudade!

__ Como foi a viagem?

Entre abraços, beijos e afagos.

Entre falas misturadas – todos têm muito a contar do tempo das ausências.

Ela o observa, amorosa, e o vê, como há muitos anos, no topo do jambeiro.

__ Veja, meu filho, o que eu guardei para você.

Nas mãos, uma tigela cheia de ... jambos... vermelhinhos, carregados de amor.  

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