A visão do mar
me aquieta, me acalma, me apazigua.
Talvez porque
tenho vivido a minha vida longe do litoral. O fato é que, sempre que eu vejo o
mar, tenho a impressão de que é a primeira vez, tal o encantamento. É praxe, eu
olho e agradeço:
__ Meu Deus, muito obrigada por me permitir mais uma vez
esta visão.
Perguntei ao meu
sobrinho, Júnior, se é assim com ele também. E ele me disse:
__ Tia, eu me acostumei.
Muito chique se
acostumar com o mar. Lembro da minha sobrinha, Taís, feliz por viver em Natal -
RN, falar:
__ Eu moro onde as pessoas tiram férias!
Ambos foram
morar em Natal pequeninos ainda.
Será que eu me
acostumaria, se pudesse ficar mais tempo? Ou o mar me seria sempre dádiva,
presente e milagre?
Eu amo o mar.
Amo as praias. Amo as ondas batendo na areia, mas amo, principalmente -
naquelas praias em que há formações rochosas ao longo da praia, formando uma
parede entre o mar e a areia - o movimento das marés, que enchem e esvaziam as
piscinas naturais que se formam, cumprindo uma missão infinda.
A mais linda que
já vi, com essas piscinas naturais, é a de Camurupim, no litoral sul do Rio
Grande do Norte. Brinco dizendo que, se pudesse ter uma casa na praia, seria,
certamente em Camurupim. Talvez numa outra vida!
A Praia do Forte,
na cidade de Natal, também é assim. Estou nela, novamente, mas me parece a
primeira vez.
E olho o ir e
vir das ondas, cada vez mais forte, cada vez mais alto. Amo as águas que
superam a altura das pedras e se deitam sobre as mesmas, ultrpassando-as,
vencendo-as. Mas sou solidária com as que sucumbem e retornam, vencidas; recuam
e se levantam para tentar outra vez.
Amo mesmo o
movimento. Sempre o mesmo e sempre único, ímpar. As ondas, sempre as mesmas,
paradoxalmente, sempre outras. Como nós, humanos, ao longo da vida.
Transformamo-nos e nos mantendo os mesmos, até nosso último momento.
As piscinas que
se enchem e que se esvaziam. As águas que vêm e que vão.
Imposível não
estabelecer relação com os movimentos da vida. Em tempos de plenitude e de
multidão, o coração aquecido.
Felicidade, feliz idade. Em tempos de carência e de solidão, a necessidade da
reflexão, da compreensão do percurso,
dos equívocos e a retomada.
Poderia ficar
horas, esquecida de todo o restante, a olhar as ondas, a praia, as pedras, o
mar; mas tudo tem seu tempo e seu espaço e a vida nos chama.
Lembro-me do
Palomar, personagem de Ítalo Calvino, na praia, observando as ondas se formarem,
irem e voltarem e morrerem na areia. Retomo as reflexões que pude fazer ao ler
o livro Palomar, já há alguns anos, quando a vida era mar calmo e eu nem sabia
que era.
Eis-me aqui, um
pouco Palomar, pensando na vida, nos desafios, na volta para casa e na retomada
do cotidiano, com tudo de bom e de desafiador que a vida nos impõe,
cotidianamente. Em tempos de rupturas,
impõem-se o medo de não estar fazendo
as melhores escolhas, a impotência
diante de questões que não me cabe resolver e a certeza de que não há outro caminho, a não ser prosseguir.
A sensação que nos
assalta a todos, de vez em sempre, de ter perdido o chão, de que nos perdemos,
de que pisamos areia movediça me toma.
Há fases em que
as certezas se dissipam e vivenciamos o medo, por conta das vicissitudes, dos
imprevistos e dos percalços da vida, ao vislumbrarmos um futuro que já não cabe
naquele planejamento tão redondinho que fizemos, no passado.
O desafio é
seguir, sem bússola. Desbravar mares bravios, sem as pedras a formarem paredões
a nos protegerem. Não há barreiras suaves a amenizarem o impacto do choque
entre nossos corpos frágeis e o imponderável.
A visão do mar
me ajuda. Participa ativamente na reconstrução de quem sou, neste tempo de
pausa, e me prepara para o percurso, para o caminho a seguir, na direção de
quem quero ser.
sem onda, eis um belo texto! grava aí, transforma tudo isso em audiobook e faça mais gente feliz:) estas conversas são intimistas, reflexivas, imersivas. grande abraço, Neusa!
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