quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Al... o quê?

 As pessoas mais próximas a mim sabem do meu medo do Alzheimer. É mais que medo. É pavor. Não por acaso estou lendo um livro relacionado ao tema: Os prós e os contras de nunca esquecer (Val Emmich). Inclusive, já escrevi um texto que reflete a respeito dessa minha condição, chamado "Sobre lembrar... sobre esquecer..." (publicado aqui no blog), contando o quanto fiquei impactada quando assisti "Para sempre Alice", um filme sobre uma professora de Linguística que, aos 45 anos, se descobre com essa doença horrorosa.

Por coincidência, minha sogra se chama Alice. E está nos esquecendo a todos. É doloroso vê-la ausente de nós.
Por conta disso, os meus esquecimentos, típicos de uma mulher de 59 anos, a mim sempre me soam como algo além de uma simples desatenção. E eu ligo o sinal de alerta.
Seria muito bom esquecer minhas dores, meus rancores, meus fracassos, meus desamores, minhas mágoas e minhas perdas ao longo da vida. Seria um bálsamo, um descanso para meu coração já tão calejado. O problema é que o melhor de mim também iria embora: meus amores, meus encantamentos pela vida, minhas grandes vitórias, e também as singelas conquistas tão valiosas quanto. Não saber mais o quanto sou amada, não lembrar mais do nascimento dos meus filhos, da minha neta, das alegrias das conquistas deles, das nossas viagens ... Inimaginável!
Semanas atrás fomos a Cacoal. Passamos dezessete dias com Letícia, Leila e Thiago: minha neta, minha nora e meu filho.
Dias muito felizes.
Lá, vivi mais um dos meus "esquecimentos": andando dentro de uma grande loja, vi um estande de óculos de sol. Perguntei ao vendedor se sempre venderam óculos de sol e ele me disse que não, que só recentemente. Me contou que as demais lojas da rede também estão com esses estandes. Experimentei alguns, mas optei por não comprar nenhum, apesar de estar precisando. O meu último, lindo de viver, ganhei de uma grande amiga, mas, estupidamente, o perdi no mar de Boraceia. Não agora: sou chata, preciso experimentar muitos. E sou indecisa.
Continuamos pela loja e, alguns minutos depois, eu exclamei: Veja como estou! Saí sem meus óculos! E minha norinha: Não saiu não, dona Neusa! Olha aí, pendurado na sua blusa. A senhora tirou para experimentar os óculos de sol!!!
Chocada! Com certeza, Alzheimer!
Na volta a Porto Velho, decidi que não daria mais para protelar. E agendei uma consulta com uma neurologista. A médica, maravilhosa! Acessível, humana, claramente disposta a ouvir -- raridade nos dias de hoje em todas as pessoas e, ainda mais, na classe médica -- ficou atenta  enquanto eu elencava uma série de episódios de esquecimentos:
1. Eu vou até a minha área de serviço buscar uma barra de sabão e lá vejo panos de chão sujos e os coloco pra bater no tanquinho. Vejo que a máquina de lavar já parou e retiro as roupas e as estendo no varal,  limpo o cocô do cachorro, lavo o chão ... E volto pra dentro sem a barra de sabão.
2. Estou fazendo um exercício no Pilates, três repetições de quinze movimentos cada. Paro na primeira ou na segunda série para tomar um copo de água e, quando volto, não sei maisem qual aparelho estava.
3. Retiro a panela do fogão, mas deixo a boca ligada.
Ela me pergunta, em seguida,  sobre como é a minha vida. Resumi, brevemente, tantos anos: a minha história profissional, a criação dos filhos. Contei que agora sou aposentada. Que assumi a administração da minha casa. Que tenho uma filha morando em São Paulo,  um filho em Cacoal e um em Porto Velho; e que fico entre um lugar e outro. Que leio; que faço crochê;  que ainda participo de bancas, quando me convidam; que, no dia anterior, tinha dado uma aula para o "Terceirão" da escola Risoleta  Neves, a pedido da minha irmã, que é  professora lá.
Conto das minhas atividades, das minhas preocupações.
Ela me diz: Olhe, na loja, você nem sabia que lá vendiam óculos. Essa informação foge ao seu conhecimento prévio. É um dado novo. No Pilates, você estava concentrada no exercício?
Conto que não. No meu horário, somos um grupo de mulheres animadas e há muitas conversas. Todos os assuntos. Uma hora de pura diversão, de perfeito relaxamento.
E ela retoma: Olha o tanto de serviço que você faz quando vai à área de serviço. Eu me cansei só de ouvir. Olha a rotina que você tem!
Ainda me lembrei de lhe contar o que meu caçula repete sempre: Mãe, você é a aposentada mais ocupada que eu já conheci.
E, então, para meu espanto, ela me radiografou, como poucos.
Com uma médica dessas, ninguém precisa de horóscopo, de tarô,  de mãe Diná. Ela lê a alma da gente!
Me diz: o que vejo é uma mulher que trabalhou a vida inteira, que criou três filhos e que ainda busca cuidar de tudo e de todos. Resolver todos os problemas. Que faz uma atividade já pensando na próxima.
E continua: Para desencargo de consciência, já que você está muito preocupada, vou pedir alguns exames.
E acrescenta, mais como humana e como mulher, que como médica:
Mas relaxe, é normal! Se permita viver os seus sessenta anos! Descanse!
Fico só me prometendo: Vou tentar! Vou tentar!

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Santa tecnologia

 Sou tão grata por viver nesta época. Pelo conforto de ter filhos à distância e de poder contactá-los instantaneamente. Que dó eu tenho das mães do passado, que aguardavam uma carta durante meses. Como é bom chamar um filho pelo Whatsapp e ter sua resposta imediata. Aquieta a alma, responde dúvidas,  esclarece,  informa, garante uma noite de sono mais tranquila ...

Minha filha está longe já há seis longos anos.  Eu a sigo, claro, nas redes sociais. Vejo os stories no Instagram, um comentário no Twitter, uma postagem no Facebook e sei por onde anda, quem encontrou. E esse saber é bálsamo. Quem é mãe sabe do que estou falando.
Há efeitos colaterais nem sempre desejáveis. Costumo prestar mais atenção ao noticiário sobre a cidade de SP. E,  às  vezes, vejo que a linha vermelha está com velocidade reduzida, que há uma manifestação na avenida Paulista, que houve um assalto na rua Celso Garcia ou que uma determinada região tem alagamentos, por exemplo. 
Entro em contato e pergunto:
__ Filha, tudo bem? Onde você está?
E ela, sabendo a mãe que tem, responde:
__ O que é que houve, dona Neusa? Está acontecendo o quê aqui em SP?
E aí eu conto, né!
Já a ouvi várias vezes dizer:
__ Eu sou uma jornalista, trabalho com os sites de notícia abertos o dia inteiro,  mas a pessoa que mais me dá notícias de SP é  você, mãe!
Pois é.
Salve as redes sociais,  salve o Whatsapp. O que seria de nós, mães desesperadas, sem essas ferramentas!?

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Pandemia

 O que fazer com o medo? Pergunta a telespectadora.

E o filósofo responde: Aceitá-lo, reconhecê-lo como constitutivo da pessoa que você é e das circunstâncias em que você vive.
E continua: Mas não paralisar, fazer o melhor dentro das suas condições. Ajudar alguém ou algum grupo, ler um bom livro, assistir um bom programa de televisão. Cuidar de si e dos próximos.
A resposta aquieta o coração. Apazigua a alma. Por alguns instantes.
O meu medo, gigante, que me habita e que, há noites, não me deixa dormir um sono tranquilo, me diz que, no meu caso, nada disso é suficiente.
Acho que sei o porquê. O filósofo não sabe.
Meu medo é medo de mãe! De mãe que tem filho no mundo, vivendo, trabalhando, em contato com outros. Meu medo é monstro de filme de terror. Dos piores. É horrível. Me assola, me toma, me entorpecente. Meu Deus! Que medo!

A melhor declaração de amor


Letícia ama Nutella. Foi o tio Paulo que a apresentou à Nutella. Se deixar, come um pote inteiro, às colheradas.
Há alguns dias, a mãe a levou para cortar a franja. Fiquei preocupada,  temerosa que estou o tempo todo. Mas a mãe me aquietou. Disse que estavam só elas e a cabeleireira no salão. Com máscaras,  local arejado e tudo higienizado com álcool em gel.
Dias depois, combinamos que viria nos ver. Recebi esse áudio:
__ Oi, vovó! Eu vou depois do almoço. Olha, se você ficou preocupada porque eu fui no salão,  eu vou de protetor, eu vou de máscara, de luva,  eu me "ensacoto" toda, mas, por favor, deixa eu ir. Sem ir na sua casa é pior do que ficar uma semana sem comer Nutella. Muito pior!
É isso aí! A Nutella que lute!!

O abraço nos tempos do Covid


Há teorias exaltando o poder do abraço. Há grupos que se reúnem para distribuir e receber abraços. Há pessoas pelas ruas ofertando abraços gratuitos. Ou melhor: havia, antes da pandemia. Há cursos sobre o abraço. Lembro-me de um, na Universidade Federal de Rondônia, oferecido por alunos de uma turma de Pedagogia. Eles falavam sobre a importância do abraço, classificavam e nomeavam os vários tipos de abraço. E,  claro, encerravam o breve encontro com todos se abraçando. Lembro- me de um deles: o abraço expectorante - é quando os "abraçantes" batem com força um nas costas do outro, praticamente esmurrando-se mutuamente. De outro: os corpos formam um A, porque as cinturas se distanciam, evidenciando pouca intimidade ou significando, apenas, civilidade cordial.
Em um curto período em que fiz Ioga, aprendi o delicioso abraço em X, em que alternamos os braços por baixo das axilas e por cima dos ombros da pessoa abraçada, fazendo, assim, com que os corações toquem os corpos um do outro. Delícia de abraço, ainda mais quando termina com beijos nas bochechas. Lembro-me da música que cantávamos na "sessão do abraço": "Todo aquele que eu toco, bendito será. Todo aquele que eu toco, bendito será. Minhas mãos estão cheias das graças de Deus".
Quando eu viajava para passar longos períodos longe dos meus amados, eu pedia ao Tito: Abrace os meus filhos! Não pedia que os alimentasse, que os protegesse. Pedia que lhes desse abraços. Abraço é vida!
Li no livro "Canja de galinha para a alma: Histórias para aquecer o coração": Abraçar é sinal de saúde. Ajuda o sistema imunológico,  auxilia na melhora do quadro de depressão, reduz o estresse e ajuda a dormir.  É completamente natural. Além disso, sua doçura é orgânica,  contém zero ingredientes artificiais,  não polui o meio ambiente e, portanto, é ecologicamente responsável, além de 100% integral. Um abraço é o presente ideal. Perfeito para qualquer ocasião, divertido de dar e receber, demonstra consideração com o outro, já vem embalado e é, logicamente, totalmente retornável. Abraçar é praticamente perfeito. A bateria não acaba nem oxida, não engorda, não exige pagar mensalidade,  é antifurto e sem taxas inclusas (...)"
O abraço é tudo isso. Mas, e agora? O que fazer com a nossa inanição de abraços, em tempos de Covid?
Descobri outro dia que somos capazes de reinventar o abraço. Graças! Descobri que eu continuo abraçando os meus, de outros jeitos.
Eu agora abraço meu filho mais velho "de barriga": me abaixo e envolvo sua circunferência com meus braços e dou beijinhos na sua barriga. Minha neta tem ganhado abraços de cabeça: eu a envolvo do alto e beijo seus cabelos. Também tenho abraçado meus outros filhos lateralmente, evitando o encontro dos rostos: nesse tipo de abraço, a gente acaba beijando o pescoço, já perto da nuca.
É.  Há saídas. O Covid tem espalhado dor e perdas. Tem nos tirado as esperanças em alguns momentos.  Mas sempre é possível achar um jeitinho de demonstrar nosso afeto. São abraços estranhos, é certo. Exóticos,  diriam outros. Mas nos possibilitam tocar quem amamos,  um contato tão essencial em dias tão áridos.
Até que chegue o dia em que poderemos dar afetivos abraços de urso!

Lar é onde nosso coração está

 O Felipe, amigo da Larissa, me encaminha, um texto que ele recebeu no Whatsapp:

Da minha vizinha é maior e 1,80 cada. Super gostoso, pode ter cobertura de chocolate ou não.
E completa:
Essa foi a propaganda que me fizeram do bombom com recheio regional da sua vizinha
Me passa o contato, por favor?
Sim. É verdade. Minha vizinha faz bombons deliciosos.
Pergunto: Foi a Julie que te falou?
E ele: Não. Foi a Larissa.
Passo o contato e só depois é que compreendo a profundidade da mensagem.
Escrevo pra ele:
Ohohohoh agora que caiu a ficha. Da minha  vizinha... ela considerou essa a casa dela. Ohohohoh.
E ele, delicadamente,  me diz a melhor frase da vida:
Lar é onde o nosso coração está, não é mesmo?
É mesmo. Tantos anos depois, nossa casa é o lar da Larissa.
Aí é a hora em que eu choro. Claro.  Não sou mulher de perder oportunidade de chorar.
E o dia começa leve, lindo, prenhe de afetos.
Lar é onde o nosso coração está!

A cristaleira

 Minha irmã  é dessas pessoas "que não existem". Me contou outro dia que foi mostrar um apartamento para um rapaz e uma senhorinha interessados em alugá-lo.  Em Natal. Na praia de Ponta Negra. Com vista para o morro do Careca. Um luxo!  E me disse: Até agora estou perplexa. Um filho querendo deixar a mãe velhinha num apartamento alugado para vender a casa dela. Uma casa linda em Capim Macio (bairro nobre de Natal) para dividir entre os irmãos. Ela tem uma cristaleira que, com certeza, não caberia no apartamento.

E continuou a história:
Na oportunidade que tive perguntei: A senhora quer vender sua casa? Ela encheu os olhos de lágrimas. Disse a ela: Não venda! Aqui não cabe sua cristaleira.
Que triste!
Conversamos mais um pouco sobre o envelhecer, sobre a relação entre pais e filhos.
Fiquei pensando no valor que os idosos têm (Ou melhor, não têm) no nosso país. E na cristaleira, esse móvel tão antigo e tão simbólico nas casas brasileiras.
Passados alguns dias, minha irmã me conta:
Neusa. Veja, a senhorinha sobre a qual te falei disse que falou com os filhos e não vai sair da casa.
Ah! Essa minha irmã transgressora! E empática! Sempre!
Um alento para tempos tão áridos.