terça-feira, 9 de novembro de 2021

Criar filhos

 No voo de mais de três horas, lotado, atraso para o embarque e chamada a todos que quiserem despachar suas bagagens graciosamente, pois já se sabe que elas todas não caberão nos compartimentos.

Acho que adivinhei, pois já tinha despachado a minha no guichê.
Muitas crianças.
Nas três poltronas ao meu lado, uma jovem família: pai, mãe,  uma criança de uns três para quatro anos e um bebê de colo.
Finalmente, decolamos.
Retiro o material que havia selecionado para ler durante o voo.
O bebê chora. O bebê chora muito. Na verdade, grita.
O pai o alimenta: potes de alimentos. Devem ser gostosos. O aroma é muito bom. Num pote, uma papinha. No outro, comida mesmo. Parece bem cozida, está bem misturadinha. Mas é sólida.
Reparo que a criança é muito grande. Quase um super bebê.  E os pais são dois jovens magros.
Incomodo-me com a alimentação da criança entre um choro e outro. Entre um grito e outro. Entre eles, algumas ameaças de engasgo. Aflijo-me. E me espanto porque ele come. Entre um grito e outro, ele come.
E eu não leio.
Nas poltronas próximas, um certo constrangimento. Olhares.
Chama-me a atenção a calma dos pais. É mais que calma. Parece anestesia. Isso: estão anestesiados. Será que não ouvem o mesmo choro que nós, simples mortais? Será que Deus, na sua infinita bondade, os poupa para aguentarem firmes?
Fecho os olhos e tento me lembrar dos meus filhos, pequeninos, em viagem. Nenhuma cena parecida me vem à mente. Será que Deus também nos dá a graça do esquecimento? Ou tive a sorte de gerar seresinhos mansos, tranquilos e calmos?
Uma vontade repentina de beijar e de abraçar os três. De agradecer. De fazer um PIX para cada um!
O choro continua.
Depois, uns minutinhos de pausa.  Minutinhos mesmo. Veja as pessoas se mexendo nas poltronas. Olham-se entre si. Algumas até pegam de novo os celulares dos quais tinham desistido e guardado nas suas bolsas. Em vão.
Umas duas horas de voo e o pai se levanta. Quando volta, sei o que foi fazer: aquecer as comidinhas no microondas. Quando abre os potes, o aroma se faz mais forte e delicioso outra vez. Tenho que me conter: minha vontade é falar:
__ Olha, esse bebê está super alimentado. Ele, definitivamente, não está com fome! Deixa que eu como!
Não posso, né!?
Também, por diversas vezes, tive vontade de pedir para pegar o bebê no colo um pouquinho. Quem sabe, um colo diferente e uma voltinha no corredor.... acalmariam-no. Mas não o fiz. Fiquei temerosa de que ele me estranhasse, já que sou, de fato, uma estranha, de máscara, ainda por cima.
Estou com umas dorezinhas chatas. E estou velha. Será que a mim o choro incomodou mais que aos outros? Já vi e ouvi tantas crianças chorando em ônibus, em aviões... ao longo da minha vida! Porque é que hoje está mais difícil? É. Estou velha. E com dores. Isso muda tudo. A aeromoça - olha como estou velha! Não é mais aeromoça! É comissária! - passa e brinca com o bebê. O choro continua, mas está mais espaçado. Haja energia, garganta. Acho que nem ele aguentou. O irmãozinho tenta interagir. Descobri que o bebê se chama João. Oh! O nome do meu pai! Que bebezinho fofinho!
Daqui uns 40 minutos, o avião vai pousar.
Que Deus abençoe esses jovens pais. Minha leitura pode ficar pra depois.
Estou bem, tudo vai acabar bem. Até escrevi um texto!
Só uma dúvida me consome: faço o PIX pros meus três anjos?

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