As pessoas mais próximas a mim sabem do meu medo do Alzheimer. É mais que medo. É pavor. Não por acaso estou lendo um livro relacionado ao tema: Os prós e os contras de nunca esquecer (Val Emmich). Inclusive, já escrevi um texto que reflete a respeito dessa minha condição, chamado "Sobre lembrar... sobre esquecer..." (publicado aqui no blog), contando o quanto fiquei impactada quando assisti "Para sempre Alice", um filme sobre uma professora de Linguística que, aos 45 anos, se descobre com essa doença horrorosa.
Por coincidência, minha sogra se chama Alice. E está nos esquecendo a todos. É doloroso vê-la ausente de nós.Por conta disso, os meus esquecimentos, típicos de uma mulher de 59 anos, a mim sempre me soam como algo além de uma simples desatenção. E eu ligo o sinal de alerta.
Seria muito bom esquecer minhas dores, meus rancores, meus fracassos, meus desamores, minhas mágoas e minhas perdas ao longo da vida. Seria um bálsamo, um descanso para meu coração já tão calejado. O problema é que o melhor de mim também iria embora: meus amores, meus encantamentos pela vida, minhas grandes vitórias, e também as singelas conquistas tão valiosas quanto. Não saber mais o quanto sou amada, não lembrar mais do nascimento dos meus filhos, da minha neta, das alegrias das conquistas deles, das nossas viagens ... Inimaginável!
Semanas atrás fomos a Cacoal. Passamos dezessete dias com Letícia, Leila e Thiago: minha neta, minha nora e meu filho.
Dias muito felizes.
Lá, vivi mais um dos meus "esquecimentos": andando dentro de uma grande loja, vi um estande de óculos de sol. Perguntei ao vendedor se sempre venderam óculos de sol e ele me disse que não, que só recentemente. Me contou que as demais lojas da rede também estão com esses estandes. Experimentei alguns, mas optei por não comprar nenhum, apesar de estar precisando. O meu último, lindo de viver, ganhei de uma grande amiga, mas, estupidamente, o perdi no mar de Boraceia. Não agora: sou chata, preciso experimentar muitos. E sou indecisa.
Continuamos pela loja e, alguns minutos depois, eu exclamei: Veja como estou! Saí sem meus óculos! E minha norinha: Não saiu não, dona Neusa! Olha aí, pendurado na sua blusa. A senhora tirou para experimentar os óculos de sol!!!
Chocada! Com certeza, Alzheimer!
Na volta a Porto Velho, decidi que não daria mais para protelar. E agendei uma consulta com uma neurologista. A médica, maravilhosa! Acessível, humana, claramente disposta a ouvir -- raridade nos dias de hoje em todas as pessoas e, ainda mais, na classe médica -- ficou atenta enquanto eu elencava uma série de episódios de esquecimentos:
1. Eu vou até a minha área de serviço buscar uma barra de sabão e lá vejo panos de chão sujos e os coloco pra bater no tanquinho. Vejo que a máquina de lavar já parou e retiro as roupas e as estendo no varal, limpo o cocô do cachorro, lavo o chão ... E volto pra dentro sem a barra de sabão.
2. Estou fazendo um exercício no Pilates, três repetições de quinze movimentos cada. Paro na primeira ou na segunda série para tomar um copo de água e, quando volto, não sei maisem qual aparelho estava.
3. Retiro a panela do fogão, mas deixo a boca ligada.
Ela me pergunta, em seguida, sobre como é a minha vida. Resumi, brevemente, tantos anos: a minha história profissional, a criação dos filhos. Contei que agora sou aposentada. Que assumi a administração da minha casa. Que tenho uma filha morando em São Paulo, um filho em Cacoal e um em Porto Velho; e que fico entre um lugar e outro. Que leio; que faço crochê; que ainda participo de bancas, quando me convidam; que, no dia anterior, tinha dado uma aula para o "Terceirão" da escola Risoleta Neves, a pedido da minha irmã, que é professora lá.
Conto das minhas atividades, das minhas preocupações.
Ela me diz: Olhe, na loja, você nem sabia que lá vendiam óculos. Essa informação foge ao seu conhecimento prévio. É um dado novo. No Pilates, você estava concentrada no exercício?
Conto que não. No meu horário, somos um grupo de mulheres animadas e há muitas conversas. Todos os assuntos. Uma hora de pura diversão, de perfeito relaxamento.
E ela retoma: Olha o tanto de serviço que você faz quando vai à área de serviço. Eu me cansei só de ouvir. Olha a rotina que você tem!
Ainda me lembrei de lhe contar o que meu caçula repete sempre: Mãe, você é a aposentada mais ocupada que eu já conheci.
E, então, para meu espanto, ela me radiografou, como poucos.
Com uma médica dessas, ninguém precisa de horóscopo, de tarô, de mãe Diná. Ela lê a alma da gente!
Me diz: o que vejo é uma mulher que trabalhou a vida inteira, que criou três filhos e que ainda busca cuidar de tudo e de todos. Resolver todos os problemas. Que faz uma atividade já pensando na próxima.
E continua: Para desencargo de consciência, já que você está muito preocupada, vou pedir alguns exames.
E acrescenta, mais como humana e como mulher, que como médica:
Mas relaxe, é normal! Se permita viver os seus sessenta anos! Descanse!
Fico só me prometendo: Vou tentar! Vou tentar!
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